Única produção brasileira a aparecer na lista de indicados do 77ª Festival de Cinema de Veneza, o documentário “Narciso em Férias” ganhou nesta quinta-feira (26) seu primeiro pôster.
A foto é uma descoberta do pesquisador Lucas Pedretti e faz parte de arquivos secretos mantidos pelo regime militar. Estima-se que tenha sido feita no início de 1969, semanas após a detenção de Caetano Veloso.
No clique, raro, ele é visto de perfil com o cabelo curto, raspado nas laterais, em um clássico retrato de prisão. A mudança de visual, forçada, foi uma decisão de seus detratores. Em determinado trecho da obra, Caetano relembra o terror que sentiu após receber ordens pouco claras.
“Eles me tiraram da cela e disseram: ‘Ande em frente e não olhe para trás!’. Eu pensei que eles iam atirar. Mas eles me levaram no barbeiro. Eu tinha um cabelo grande, todo cacheado, grandão, e eles cortaram meu cabelo. Eu fiquei feliz porque não ia morrer, e eu não podia nem demonstrar a minha felicidade, adorando aquele barbeiro cortando o meu cabelo. Eles cortaram como se fosse um soldado, rasparam na lateral, deixaram baixinho em cima, depois me levaram de volta. Aí eu cheguei, e os meninos todos disseram: ‘Poxa, cortaram o seu cabelo’… Porque aquilo era uma coisa simbólica de liberdade, mas eu estava feliz porque não me mataram”.
Assinada pela designer Claudia Warrak, a arte da imagem de Caetano preso também vai servir para ilustrar a capa do livro “Narciso em Férias”, de mesmo nome, que a Companhia das Letras lança em setembro. Originalmente extraído das memórias do artista, batizadas como “Verdade Tropical” (1997), a obra ganha agora uma nova edição que conta com documentos inéditos extraídos dos arquivos da ditadura militar.
“Narciso em Férias” resgata os dias em que Caetano e o amigo Gilberto Gil foram retirados de suas casas coercitivamente por agentes do regime à paisana. O acontecimento se deu apenas 14 dias após o decreto do Ato Institucional Nº5, medida famosa por inaugurar o período mais sombrio da ditadura, suspendendo garantias constitucionais que resultam na institucionalização da tortura e da censura prévia.
Sem receber explicações, foram conduzidos a celas solitárias, onde ficaram por 2 semanas. As prisões não puderam ser divulgadas pelos jornais.
Com direção de Renato Terra e Renato Calil, a obra é uma realização da Uns Produções e tem Paula Lavigne assumindo a função de produtora. A estreia, que acontece no 77º Festival de Veneza entre os dias 2 e 12 de setembro, antecede sua chegada ao streaming, que ainda não teve uma data revelada.
Esta já é uma das produções mais aguardadas do evento – o que significa que ganhará sessões extras, a fim de que a demanda de público seja atendida e as medidas de distanciamento social, respeitadas.
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