Na segunda quinzena de junho, a cantora de nacionalidade britânico-jamaicana Celeste lançou o clipe oficial para o single “I Can See The Change”. A faixa, disponível nas plataformas de streaming, tem a produção assinada pelo vencedor do Grammy de produtor do ano, Finneas – que, além de co-criador de todas as faixas da irmã, Billie Eilish, também tem uma carreira solo muito massa como compositor, cantor e produtor.
A cantora venceu o importante prêmio da BBC, o Sound of 2020, que lhe deu o título de nome mais promissor da cena internacional neste ano. Antes da deliciosa “I Can See The Change”, Celeste já havia entregado aos fãs um EP e alguns singles avulsos, entre eles “Strange” e “Stop This Flame” – esta última, dona de um videoclipe cativante.
Um dos próximos nomes emergentes do pop, especialmente pra quem gosta de um som mais introspectivo e honesto, com aquela pegada de soul, Celeste falou com o Papelpop por chamada de vídeo. Durante a conversa, revelou detalhes do processos de composição, falou sobre como foi o trabalho com Finneas e deu muitas pistas sobre o álbum de estreia. Vem ler!
PAPELPOP: “I Can See The Change” é incrível. Gostaria de saber como é lançá-la neste momento. Por se tratar de mudanças (algo pelo qual estamos vivendo muito), como é ver ela tomando outros significados mundo a fora?
CELESTE: Acho que quando escrevo música não o faço com a ideia de que se torne algo pro ativismo, sabe? Mas sempre quero que o que digo converse com as pessoas e as deixe confortáveis, pra elas acharem algo parecido nas próprias vidas. Se eu tentasse escrever essa música neste momento, tentando reagir ao agora, não ia dar certo. Preciso vivenciar as coisas, aí as deixo descansá-las e escrevo depois. Escrevi essa canção algumas semanas antes do coronavírus e foi uma das últimas que fiz para o álbum, que sai ao fim deste ano. Mas com tudo que está acontecendo, esse pareceu o material certo a ser lançado. Eu não lançava algo novo havia seis meses, então queria que parecesse apropriado ao que as pessoas têm sentido neste contexto. Mas você nunca consegue dizer de antemão o que um trabalho vai ser. Então vamos ver quais jornadas ela vai tomar. Nunca lanço música com essa concepção de ser algo. Tento ir com meu coração e lançar o que tenho orgulho.
E esta é uma faixa produzida por Finneas, que tem um olhar e técnicas bem únicas de produção, né? Como foi o processo entre vocês?
Ali em fevereiro, eu tinha uma demo e precisávamos de alguém pra terminar. O Finneas foi alguém que tinha dito antes que gostaria de trabalhar comigo, então enviamos a música a ele e começamos a trocar por texto. Ele enviava coisas novas da música por mensagem e eu respondia com algo. Como tem o fuso horário entre os Estados Unidos e a Inglaterra, eu sempre só lia umas seis horas depois, tudo “opa, gosto muito disso!”. Acho que terminamos a música em três trocas de mensagens. Ele foi incrível, porque ele está num lugar da carreira no qual ainda não estou. Achei maravilhoso.
Em outras entrevistas, você já comentou que num ponto de sua vida, chegou a ser mandada embora de seu trabalho por faltar pra poder compor. Hoje, como é a composição na sua vida: você tem sempre coisas anotadas que só surgem, ou você guarda tudo pra fazer no estúdio mesmo?
É mais a primeira coisa. Se eu escuto algo e sinto que me inspirei, eu preciso pegar a coisa mais perto na qual posso me gravar rapidinho, porque se não, tenho uma chance de nunca mais me lembrar do que imaginei. E isso pode ser no meu quarto, no meio da madrugada, de manhã cantarolando algo… mas o estúdio é o ambiente no qual isso mais acontece. E a equipe que trabalha comigo está já preparada pro momento em que eu falo “liga tudo, que a gente precisa gravar rapidinho”, porque vem espontaneamente. E essas coisas são geralmente as mais puras. E essas músicas são as que as pessoas mais gostam. As que não preciso pensar muito.
Ainda sobre gravar, seus vocais parecem tão preciosos nas faixas. Durante a gravação, você é super cuidadosa e acaba se sentindo estressada de alguma forma? Como é?
Hm… acho que muitas das minhas gravações vêm do vocal da demo. Geralmente o primeiro take de todos. E acho que é porque a emoção bate muito com o que estou falando, porque ela saiu daquele momento. Às vezes tento refazer, mas aí não me sinto como me sentia no primeiro dia, então a emoção não entra na entrega. Acho que é por isso que cantar às vezes parece ser algo com muita pressão, sabe? Se eu for ao estúdio com a garganta dolorida, vai dar pra perceber por como a voz vai soar e eu também vou ficar estressada, porque é minha voz e preciso dela a todo momento. E isso vai influenciar o que escrevo naquele dia. Então às vezes tenho uma pressão em estar escrevendo no estúdio, mas também tem momentos de uma urgência de entregar música e não fico estressada. Tipo “o que vier vai ser bom”, porque conforme mais faço isso, percebo que se eu só faço o meu melhor e estou presente pra fazer algo, é o suficiente. Mas as inspirações de onde vêm seu melhor trabalho não são constantes. Ela vem em ondas. De vez em quando, você tem um período de meses no qual está muito inspirado, aí em outros dura só uma semana. É sobre aproveitar esses períodos ao máximo, porque quando você está na sua inspiração, seu trabalho também está em sua melhor versão. Quando você está nessa zona, tudo vem facilmente. E em outros momentos, você tem que tentar muito pra conseguir criar algo. Mas a prática leva à perfeição do ofício até vir a inspiração.
Nesse momento de menos inspiração, você se sente mal ou relaxa porque sabe que logo vem?
Depende do quanto o momento está durando. No momento, me sinto muito bem sobre estar inspirada, mas tem fases nas quais fico “por que não consigo escrever nenhuma letra?”, tentando entender por quê, mesmo sentindo tanto, não consigo expressar nada. A melodia não vem do jeito certo, as letras não parecem naturais. E é frustrante, mas se você aceita que é assim que funciona e tentar se aplicar no que está fazendo, funciona. Mesmo que essa música não seja o seu melhor. Porque mantém seu cérebro trabalhando pra quando o momento chegar, pra quando as coisas voltarem pra você, suas melodias e letras. Sem você nem se preocupar e poder dizer o que sente. É quase como uma memória muscular, que você precisa exercitar. É como vejo essas coisas. E não sei se é o mesmo pra todo mundo, porque alguns cantores e compositores apenas sentam e dizem “vou escrever uma música sobre coração partido hoje”, de uma forma muito direta. Pra mim, é bem mais irracional que isso! Hahaha
Você comentou estar num momento bem criativo, então gostaria de saber mais sobre seu álbum. Ele já está pronto?
As pessoas da minha equipe diriam que está pronto, sim. Mas eu ainda vou continuar trabalhando até o último minuto. Você nunca sabe o que vai acontecer. Em fevereiro, escrevi as melhores músicas que já fiz. E isso pode acontecer de novo semana que vem. Se meu álbum sair em outubro deste ano, então ainda tenho bastante tempo pra continuar, até eu sentir que está certo. Porque tem muita gente já esperando pra ouvir minha música agora, mas ainda tenho uma audiência pequena. Acho que gradualmente vou trabalhar pra mais gente me ouvir neste ano, aí mais gente vai estar esperando o álbum. E quero que, quando o álbum sair, ele possa superar as expectativas quando todo mundo ouvir. E que dure por mais do que algumas semanas, pra ser algo que as pessoas possam retornar e ouvir por alguns anos. Pelo menos uns dois anos, né? Até o que vier depois…
Sim! E já dá pra contar um pouco pra gente sobre as narrativas por trás das letras do álbum?
Bom, ainda não revelamos a listagem das faixas, mas diria que escrevo tudo sobre minha própria vida, o que eu vivencio. E é um monte de coisa, como minha vida amorosa, minhas amizades e relacionamentos, atuais e passados. É sempre com um olhar sobre o fim, o que é meio triste. Tenho uma música no álbum chamada “A Kiss”, que é sobre experiências diferentes que tive com garotos, enquanto crescendo, e com homens, quando virei uma mulher. E a experiência física que tive com essas pessoas foi um beijo. E como, olhando pro passado, vejo que esse beijo levou a nada, ou a um aprendizado, um sofrimento, uma perda, ou um amor profundo… E algumas têm mais uma intenção mais política, como a “Tell Me Something I Don’t Know”, que é uma canção na qual reconheço que é cansativo ser oprimida e receber sempre as mesmas respostas, como de alguém que está num poder maior. Tem algumas outras, como “Strangers”. Tem uma música chamada “This Is Who I Am”, que quero muito que entre pro álbum, que é uma afirmação com muitas metáforas que não sei se todo mundo vai entender, sobre dizer quem sou, como soo e não tenho medo disso, sobre como espero que as pessoas aceitem. Escrevi todas essas canções enquanto entendi a mim mesma transitando pra ser uma mulher adulta. Entendendo a mim mesma de uma forma que, quando comecei a compor lá com meus dezoito ou dezenove anos, não conseguia.
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