Intimus

Todos os momentos em que Elke Maravilha se mostrou uma mulher corajosa

“Não tenho problemas em ficar velha, mas ultrapassada nunca”, “Me pintaram assim, minha figura meio diferente. Gosto de aparecer, gosto de chamar a atenção”. “Assim que sou e pronto”. Estas foram frases ditas por Elke Grünupp, uma das maiores figuras que o Brasil teve a honra de abraçar. Nascida na Alemanha, mas criada em Itabira, no interior do estado de Minas Gerais, essa mulher fez história. O sobrenome russo, herdado do pai, logo foi substituído pelo “Maravilha” que refletia com exatidão sua essência extrovertida e o jeito doce de ser que usou para conquistar todo um país.

Seja pelo jeito extravagante de se vestir, seja por sua sagacidade ao falar de absolutamente todos os temas considerados tabus – inclusive, defendendo-os em situações e épocas em que isso era inimaginável -, Elke se mostrou uma mulher firme em seus propósitos e crenças. Hoje ela é sinônimo de coragem e olha… não foram poucas as vezes em que externou este sentimento.

A Intimus sabe bem disso. Tanto que dá seguimento à campanha #ChegadeEstigma, lançada em março a fim de reconhecer atitudes destemidas e inteligentes como a da artista por meio de uma ação importante e muito criativa que visa discutir o sexismo e suas mazelas na sociedade. É justamente por isso que decidimos elencar momentos em que Elke Maravilha foi uma mulher corajosa. Vamos relembrar algumas dessas ocasiões?

A riqueza de seus visuais

Elke nunca se mostrou intimidada por eventuais barreiras. Ao longo da vida nem mesmo o idioma foi capaz de barrá-la, visto que a artista falava fluentemente 8 línguas. Todas elas aprendidas em casa com a família: além do português, ela também dominava alemão, russo, francês, espanhol, italiano, latim e grego. A atriz e apresentadora também recebeu uma criação autônoma em que os filhos da família Grünupp podiam ir e vir livremente, aventurando-se e vivenciando sua infância como bem entendiam – desde que isso não lhes oferecesse risco, é claro.

Anos depois essa liberdade se refletiria no guarda-roupa que ela teria. Foi por meio dos figurinos que Elke, já adulta e famosa, impulsionou o crescimento de sua imagem no imaginário do público. Sempre chamativa e esbanjando vida, ela adorava ostentar acessórios volumosos, brilhantes, cheios de extravagância. Em seu closet ela já chegou a guardar 60 pares de botas e mais de 100 perucas e arranjos de cabelo. Em 1980 a artista chegou a comentar em entrevista ao Jornal Hoje, da Rede Globo, como se sentia em relação às críticas – que ignorou com sucesso. A cada vez que ouvia um comentário maldoso a seu respeito, dava de ouvidos. O importante era se expressar como bem entendia.

“Custei que eles entendessem que não era fantasia. Assim que eu sou e pronto. Eu fui a primeira a usar essas roupas, essas coisas no cabelo. Aí as pessoas acham que só no Carnaval que a gente pode fazer isso. Mas eu acho que é Carnaval o ano inteiro”.

Abortos


Elke Maravilha sempre foi uma pessoa livre de tabus, tanto que em julho de 2014 ela foi convidada pra ser capa da revista Sexy. Além de discutir abertamente o uso de drogas (na ocasião ela revelou que chegou a usar todos os tipos de entorpecentes, lícitos e ilícitos, à exceção de heroína), a reportagem quis tocar ainda na pauta aborto. Ao longo de sua vida, a artista realizou três procedimentos para interromper gestações em curso. Sua declaração foi astuta e precisa:

“Não foi nem um pouco difícil. Na hora que eu fiz, estava tudo bem. Nunca tive arrependimento. Ao contrário, fui sábia. Como poucas vezes fui na vida. O que eu vou dizer para uma criança? Educar uma criança é um jogo, mas eu não sei jogar na vida. Posso dizer para uma criança que eu adoro ladrão de banco? Posso dizer que ela não deve ser boa para não ser otária? Não saberia educar falando mentiras.”

Oito casamentos

Elke Maravilha também se casou 8 vezes. Embora as uniões não tenham sido reconhecidas perante a lei, ela viveu plenamente seus amores, sem se importar com o que a sociedade poderia dizer ao seu respeito. Ao jornal O Globo, em 2014, contou que o primeiro marido foi o que ficou por mais tempo: foram 7 anos e meio juntos em uma união que a impulsionou inclusive a encarar um de seus maiores desafios: tornar-se atriz. O mais curto dos relacionamentos durou 2 meses porque segundo ela, o rapaz era “um psicopata”.

Seu último casamento foi com o artista plástico Sasha, 27 anos mais jovem. Segundo a própria, a relação desmoronou quando percebeu que não sentia mais desejo sexual. Dona de si, o episódio:

“Quando eu disse que queria me separar porque não sentia mais desejo, o Sasha perguntou “Tem mesmo que separar?”. Eu disse que sim, porque talvez ainda esteja no carma dele casar e ter filhos. Se ele tivesse a minha idade, a gente podia continuar esquentando um o pé do outro”

Elke X Silvio Santos

Silvio Santos foi, de fato, um dos raros desafetos que Elke teve na vida. Ainda hoje o dono do SBT se recusa a falar sobre a artista, que foi convidada para ser jurada em programas da emissora em vários momentos. A relação dos dois azedou a princípio quando Chacrinha pediu demissão da Globo e foi contratado pela Record. Imediatamente ele quis que a artista fizesse parte do seu time de jurados. Àquela altura, ela trabalhava para Silvio, mas topou a proposta do velho amigo porque seu contrato estava prestes a vencer.

Quando foi avisar o dono do SBT de que não renovaria com a casa, Silvio a questionou dizendo “Você vai voltar pro seu painho?”. Em resposta, Elke disse “Sim, ele é meu painho porque me dá amor. Você é meu patrão porque me dá dinheiro”.

Em suas entrevistas, afirmava com frequência que a relação que tinha com o chefe da família Abravanel era complicada porque ele se aproveitava da humildade das pessoas que iam ao seu programa, assediando-a com o intuito de que fizesse o mesmo pela audiência. Certa vez ela explicou:

“Uma vez ele me chamou e disse para eu parar de dar dez aos calouros, que estava ficando sem graça. Respondi: “Olha, meu filho, eu não sou covarde, não vou chutar cachorro morto, vou ajudar. Mas, é claro, se você quer que eu dê zero, dois, é só chamar o presidente fulano de tal, o governador fulano de tal. Ele [Silvio] é a pior pessoa do mundo, coitadinho! Tem gente que é tão pobre, que só tem dinheiro. Acho que respeito é bom. Eu consegui ser respeitada por ele, mas foi difícil. Nunca tive muito contato com ele, não lido bem com falta de respeito.”

Programa Elke


A relação entre Elke Maravilha e Silvio Santos renderia ainda um capítulo interessante. Com a morte de Chacrinha em 1988, vítima de um câncer no pulmão, ela voltou a trabalhar no SBT. Do dia pra noite recebeu um telefone do chefe, dizendo que gostaria de criar um talk show com ela no comando. A atração levaria seu nome e teria que ser organizada às pressas, em menos de 3 meses. O programa Elke ficaria no ar por menos de 1 ano e sua ruína viria justamente pelo slogan que trazia: “As perguntas mais picantes da TV brasileira”. Exibido às 16h, o talk show mostrava sua hostes usando um guarda-roupa berrante, como se praxe, e mais provocadora do que nunca.

Logo na estreia ela incomodou os mais conservadores. No controle de tudo, Elke escolhia seus convidados e quis se sentar com Jorge Lafond, conhecido por interpretar a personagem Vera Verão, e o apresentador Carlos Alberto de Nóbrega. Seu foco durante toda a entrevista foi Lafond, um homem negro, gay, afeminado e artista. “O que você pensa da situação do negro e do homossexual no Brasil?”, chegou a perguntar. Nóbrega, chefe de Lafond àquela época, se tornou apenas uma estátua, posta em segundo plano. Os temas, de fato, eram bizarros. Houve, por exemplo, um dia em que ela recebeu no estúdio um especialista em minhocas.

Ela também levou o padre Júlio Lancelotti, que desenvolvia um trabalho importantíssimo com crianças portadoras do HIV. Isso desagradava Silvio e o fim da atração aconteceu em dezembro de 1993. Foi a gota d’água quando ela celebrou um casamento gay ao vivo. Para a IstoÉ

“Forças ocultas o tiraram do ar, ninguém me deu explicações. Mas tenho duas hipóteses: quando eu dava 3, 4 de Ibope, estava bom. Quando subiu para picos de 15, tiraram do ar. Não sei qual o problema deles com ibope. Mas a verdade é que o programa saiu do ar no dia seguinte que coloquei um casamento gay no ar.”

A amizade com Chacrinha


Uma das grandes atrações do Programa do Chacrinha, clássico da TV brasileira nos anos 1970 e 1980, a jurada Elke Maravilha logo se viu muito próxima do apresentador, a quem chamava de “painho”. Não demorou e as más línguas a acusaram de ter um caso com ele. O buchicho se agravou depois que surgiu a fofoca de que o chefe havia lhe dado um apartamento. De fato, nada aconteceu entre os dois, além do fortalecimento de uma amizade duradoura e muito bonita, que se viu firme em alguns dos momentos mais duros e mais gloriosos da carreira de ambos.

Nada, nem mesmo os comentários maldosos, fizeram com que ambos deixassem de se falar ou se afastassem. Em entrevista ao programa Raul Gil, no quadro “Elas Querem Saber”, Elke falou sobre essa parceria.

“O painho era a melhor pessoa do mundo. Era um gênio e realmente gênio não se explica. É um trem diferente, era uma pessoa boníssima, libertária, libertadora. Não tinha conceitos, nem preconceitos contra nada. No programa dele botava de repente um brega, de repente um punk rock. Não tinha limites e era um grande libertador”.

A prisão na ditadura militar

A estilista Zuzu Angel, que era amiga de Elke Maravilha, foi vítima da vítima da violência da ditadura militar. Morreu, assim como o filho, Stuart, pelas mãos da truculência e da intolerância do regime. Em 1972, anos antes do falecimento da amiga, Elke Maravilha seguia rumo ao estúdio do Programa Silvio Santos, em São Paulo. Ao chegar ao Aeroporto Santos Dumont, na capital carioca, viu dezenas de pilastras cobertas com o rosto de Stuart, classificado como “um inimigo da pátria” e procurado.

A verdade é que muitas pessoas já sabiam o que havia acontecido. Seus companheiros de luta contavam que o jovem foi amarrado a um jipe com a boca posicionada no escapamento. O carro deu partida e rodou pelo centro de censura até que ele morresse. Indignada, Elke rasgou o cartaz e os militares a levaram detida. Na biografia “Mulher Maravilha”, de Chico Felitti, um dos capítulos descreve com detalhes o episódio. Enquanto seus amigos se desesperavam ao vê-la sendo arrastada para o camburão, um funcionário saiu de trás do balcão da cia aérea e sussurrou no ouvido dela.

“Estou com você e deixei meu documento para saber onde você está sendo levada. Aqui somem pessoas”.

Ficou 6 dias presa, ao lado de outras subversivas. Entendeu que precisava ser corajosa e não podia se deixar ser tomada pela emoção. Fez uma maquiagem que a deixasse com cara de louca e se posicionou diante de seus algozes. Elke cantou música sertaneja, desafiando-os… e por sorte tomou apenas um tapa na cara. Foi a única violência provocada pelo regime militar antes de ela ser liberada. Não se abalou nem mesmo com a ausência de seus documentos, tomados pelos detratores, tornando-a uma apátrida.

Madrinha das prostitutas

Elke era querida por todos e não se deixava ser podada por nenhum tipo de preconceito. Tanto que se tornou um símbolo para gays, presidiários, portadores de hanseníase e prostitutas. Com este grupo, aliás, sua afinidade se criou a partir da minissérie “Memórias de um Gigolô”. Com direção de Walter Avancini, a produção trazia a atriz como a dona de bordel. Foi o suficiente para que sua popularidade entre as profissionais do sexo atingisse níveis altíssimos e meses depois lhe fosse conferido o título de Madrinha da Associação de Prostitutas do Rio de Janeiro.

Em entrevista ao jornal Diário de S. Paulo, contou que adorava o universo.

“[Ser madrinha] Foi algo que aconteceu naturalmente, eu não cheguei e fiquei ensaiando para abraçar essa causa, entende? Conheci muito prostíbulo. Eu adoro conhecer prostíbulos. Já conheci em vários estados, regiões e países”.

O enfrentamento da morte

O último trabalho de Elke Maravilha na TV aconteceu em 2016. Convidada pelo Fantástico, atração dominical da Rede Globo, ela aparecia em um quadro fixo chamado “O Grande Plano” ao lado da porta-bandeira Vilma Nascimento e da atriz Berta Loran para dar dicas que pudessem melhorar a vida dos participantes. A experiência do trio era usada para dar conselhos de beleza, autoestima, paquera e empoderamento. Enfim. Estavam ali para compartilhar o que aprenderam em mais de 7 décadas de vida, dava gosto de ver! À época com 70 anos, ela brincava sobre o quadro dizendo:

“Eu não tive os aprisionamentos normais da minha juventude não, não. Nunca tive. E não tenho esse problema que gente da minha idade que diz “Ah, meus amigos morrem e fico só”. Falo ‘Gente, vamos fazer novos amigos’. Eu tenho que aprender com uma criança de 8 anos. Com uma pessoa de meia idade… Ninguém é um pacote de meia-idade. Quem sabe tudo e diz isso tem que deitar e morrer”.

Foi com frases como esta que ela se mostrou destemida e pronta para o que quer que o destino lhe reservasse. Em suas palavras, o pai “a havia preparado”. Em 16 de agosto de 2016, no mesmo dia em que nasceu Madonna e morreu Elvis Presley, Elke nos deixou vítima de falência múltipla de seus órgãos, enquanto se recuperava de uma cirurgia. O que ficou foi um legado imenso e cheio de mensagens preciosas. Talvez a mais forte delas seja a de que devemos viver a vida com o máximo de intensidade possível, da forma mais leve. Nas palavras dela:

“Eu tenho vontade de dizer o que eu sou, eu não tenho o menor pudor… solta a franga e abre a granja. (…) A vida da gente é uma obra de arte.”

Perceba como todos os dias, estando menstruadas ou não, mulheres de todo o mundo precisam enfrentar barreiras impostas pelos estigmas para acessar e viver plenamente sua liberdade. Precisam ser fortes para lutar contra comportamentos que envolvem perguntas como “Você está muito irritada hoje” ou “Está chorando por esse filme?”. Você certamente já ouviu alguma dessas frases, infelizmente… Mas a Intimus, conforme dissemos no início, está com a gente e com você, preocupando-se com isso e querendo que mulheres de todo o mundo, tal qual fez Elke, busque desmistificar posturas que de alguma forma sejam restritivas. Na arte e em nossas vidas, isso não pode acontecer.

No mês de março a marca lança uma campanha maravilhosa chamada #ChegadeEstigma em que a intenção é promover um diálogo mais aberto e esclarecido sobre a menstruação com toda a sociedade, sempre questionando os estereótipos. A fim de dar suporte, encorajar e empoderar, tem sido promovida uma série de ações nas redes sociais em que é possível compartilhar com amigos e familiares materiais esclarecedores sobre o ciclo menstrual e sobre como questionar os vários estigmas relacionados à menstruação..

São várias alternativas já disponíveis no site! Há cartazes, GIFs e figurinhas prontos para serem compartilhados, bem como a própria hashtag #ChegadeEstigma que mulheres podem usar para contar suas experiências e reforçar uma rede de apoio que tem como objetivo informar e tornar a sociedade mais consciente. O que você está esperando para fazer parte do movimento?

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