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Oito músicas de Aldir Blanc que fizeram sucesso na voz de Elis Regina

O Brasil se viu órfão de um de seus maiores compositores na manhã desta segunda-feira (4). Aldir Blanc, autor de uma extensa obra musical e literária, morreu aos 73 anos vítima de complicações da Covid-19. Blanc, que nasceu no Rio de Janeiro e abandonou a medicina, ainda jovem, pra se dedicar à música, estava internado desde o último dia 10 de abril no CER do Leblon. Ele chegou a ser transferido, após um agravamento de seu quadro, para o Hospital Pedro Ernesto, pertencente à rede pública.

Foi necessária uma campanha de amigos e artistas para a liberação de um leito, mas o boletim mostrou que sua situação não se estabilizava. Após a confirmação de que tinha contraído o vírus, dias depois, ele veio a óbito. Em quase 60 anos de carreira, o compositor se mostrou acima de qualquer outra coisa um observador das ruas e do cotidiano da capital carioca. Ele narrou como ninguém a vida no subúrbio, consagrando-se ainda tempos depois  como cronista.

Mas nada foi parecido com sua atividade nas artes. Assinou mais de 600 letras, entre as quais várias foram interpretadas por Fafá de Belém, Simone e Clara Nunes. Mas foi graças a Elis Regina, esperta que só, que alcançou fama ao lado do parceiro João Bosco. Foi assim que Aldir Blanc se tornou um pilar da MPB e galgou espaço definitivo em nossa memória afetiva.

Na voz da pimentinha ficaram conhecidas, por exemplo, “O Bêbado e a Equilibrista”, “Querelas do Brasil” e “O Rancho da Goiabada”. Mas não foram só estas suas únicas composições interpretadas por Ela. Entre os discos “Elis 71” e “Essa Mulher” (1979), somam-se cerca de 15 faixas escritas por essa dupla, a maioria, dona de um sucesso estrondoso. Relembre algumas delas.

O Bêbado e a Equilibrista (1979)

Na noite de Natal do ano de 1977 morria o comediante Charles Chaplin, na Suíça. Aqui no Brasil, João Bosco quis homenageá-lo e criou um samba. Horas mais tarde, convidou Aldir Blanc pra pôr letra no que havia rascunhado. Assim surgiu “O Bêbado e a Equilibrista”, clássico da MPB e hino não-oficial da Lei da Anistia. Foi ao som dessa música que brasileiros exilados durante o período da ditadura militar puderam voltar ao país.

Estão representados em seus versos os artistas que ousavam levantar sua voz contra a repressão, os generais que detinham o poder, bem como familiares de vítimas da truculência. Mas além de tudo isso, a letra também se mostra um pedido de desculpas da própria Elis para o cartunista Henfil. Anos antes, ela foi obrigada a cantar na Olimpíada da Semana do Exército, evento organizado pelo regime. Isso fez com que Henfil, que tinha o irmão Betinho exilado, a usasse como tema de uma charge. Na ilustração, ele mostrava a cantora sendo “enterrada” após o episódio. Era seu fim para aqueles que sofriam com os horrores dos anos de chumbo.

Foi aí que surgiu o verso:

“Louco, o bêbado com chapéu-côco
Fazia irreverências mil pra noite do Brasil, meu Brasil
Que sonha com a volta do irmão do Henfil
Com tanta gente que partiu num rabo-de-foguete
Chora a nossa pátria, mãe gentil
Choram Marias e Clarices no solo do Brasil
Mas sei, que uma dor assim pungente
Não há de ser inutilmente, a esperança”

Com tanta coisa pra dizer, é impossível não sentir um aperto no coração ao ouvir essa história.

O Rancho da Goibada (1978)

A interpretação acima vem de “Transversal do Tempo”, show que Elis colocou na estrada em 1978. Em “O Rancho da Goiabada” (que aliás acompanha “Construção”, de Chico Buarque, em um medley imponente) a artista mergulha no dia-a-dia dos chamados boias-frias. Os protagonistas são trabalhadores rurais que não possuem as mínimas condições para poder suportar os carmas da vida. Em resumo, estamos diante de uma letra tocante que expõe a realidade de pessoas humildes que nutrem pequenos prazeres em um universo em que a desigualdade fala mais alto.

“É goiabada-cascão com muito queijo
Depois café, cigarro e um beijo
De uma mulata chamada Leonor ou Dagmar
Amar
O rádio-de-pilha, o fogão-jacaré, a marmita, o domingo
no bar
Onde tantos iguais se reúnem contando mentiras
Pra poder suportar”

Querelas do Brasil (1978)

Perceba que Elis pouco a pouco foi se transformando em uma das vozes mais firmes contra o regime militar. Também neste show (talvez dono de seu repertório mais político?) surgiu “Querelas do Brasil”. A música é uma sátira da adoração das elites pelos costumes de nações estrangeiras como os Estados Unidos. Sabe aquele esquema de sempre sobrepor a cultura do outro sobre a nossa? Qualquer semelhança com o presente é mera coincidência.

E repare também nas palavras escolhidas pra esse trava-línguas. Brasileiríssimas!

“O Brazil não conhece o Brasil
O Brasil nunca foi ao Brazil
(…)
O Brazil não merece o Brasil
O Brazil tá matando o Brasil
Gereba, saci, caandra, desmunhas, ariranha, aranha
Sertões, guimarães, bachianas, águas
E marionaíma, ariraribóia
Na aura das mãos do jobim açu
Oh, oh, oh”

Transversal do Tempo (1977)

O disco “Elis” (1977) se encerrava no mais puro estilo Elis de ser. A cantora deixava sua mensagem e saía, cabendo a você lidar com as possíveis (e muitas vezes dolorosas) interpretações. Em “Transversal do Tempo”, icônica faixa gravada no auge da carreira, ela reflete sobre questões internas, mas não sem antes olhar pro lado. Desenha em uma espécie de poesia urbana uma metáfora de si, tendo como base o trânsito de uma metrópole desconhecida.

“As coisas que eu sei de mim
São pivetes da cidade
Pedem, insistem e eu me sinto pouco a vontade
Fechada dentro de um táxi
Numa transversal do tempo
Acho que o amor é a ausência de engarrafamento”

Dois Pra Lá, Dois Pra Cá (1974)

Não seria nenhum exagero dizer que “Dois Pra Lá, Dois Pra Cá”, um bolero intenso lançado em 1974, é uma das músicas mais deliciosas de Elis. A letra descreve a aflição de um flerte na pista de dança, um daqueles que estremece cada ponta do nosso corpo com o toque do outro. Um romance que deixa os sentidos à flor da pele, mas que ao mesmo tempo não permite ser livre. Imagine só o esforço feito pra não errar os passos de dança diante do amado e ao mesmo tempo ter que lidar com a dor de “um torturante band-aid no calcanhar”?

“Tremia mais que as maracas
Descompassado de amor
Minha cabeça rodando
Rodava mais que os casais
O teu perfume gardênia
E não me pergunte mais
A tua mão no pescoço
As tuas costas macias
Por quanto tempo rondaram
As minhas noites vazias”

Bala Com Bala (1972)

Após gravar “Agnus Sei”, outro sucesso de Aldir Blanc e João Bosco, em 1971, Elis viu em “Bala Com Bala” um hit em potencial. Reservou a letra logo de cara, visto que preparava aquele que seria seu mais emblemático disco, a ser lançado no ano seguinte. De fato, é uma daquelas músicas que desprezam apresentações. Fez parte de um ponto de transição na carreira da artista e é considerada por muitos críticos como uma das mais importantes da MPB.

Entre seus versos mais memoráveis:

“Quando a luz acende é uma tristeza,
Trapo, presa
Minha coragem muda em cansaço
Toda fita em série que se preza,
Dizem, reza
Acaba sempre no melhor pedaço”

Um Por Todos (1976)

Em 1976 Elis Regina entregou ao púbico o álbum “Falso Brilhante”, que reunia o repertório do mesmo show que vinha apresentando em longas residências no Rio e em São Paulo. Entre canções de Mercedes Sosa, Milton Nascimento e até mesmo Rita Lee, ela também ostentava duas pérolas compostas por Aldir Blanc e João Bosco: “Um por Todos” e “Jardins de Infância”. Sobre esta primeira, a melodia alucinada flerta abertamente com o rock n roll e vem acompanhada por uma narrativa que descreve a saga de um herói indigno, que não tem simpatizantes. Está só, contra tudo e todos. Vem daí o título.

“Do ventre chão da terra mãe
Nasce o herói improvisado
Querido filho pranteado
Da fortuna e do acaso
Avante, um por todos e todos por um!”

Jardins de Infância (1976)

Já a segunda, “Jardins de Infância”, funciona mais ou menos como uma fábula musicada, cheia de referências à cultura oral.

“E como um conto de fada
Tem sempre uma bruxa pra apavorar.
O dragão comendo gente
E a bela adormecida sem acordar.
Tudo que o mestre mandar
E a cabra cega roda sem enxergar.
E você se escondeu,
E você esqueceu.”

 

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