J Balvin fala ao Papelpop sobre isolamento social, novo disco e lado político do reggaeton

J Balvin meditava certa manhã quando fechou os olhos e viu explodir uma profusão de cores. Foi como se atingisse o nirvana, estado definitivo da felicidade e do conhecimento, a meta suprema do hinduísmo. E não, ele não passava mal. “Meditar é como ir até as profundezas do mar e subir de volta, onde as ondas quebram. A diferença é que depois disso você mantém a mesma calma que encontrou lá embaixo”, diz ele ao Papelpop, por telefone.

A ligação é feita direto de sua casa, na Colômbia, onde tem passado os últimos dois meses ao lado da família. Diz que se sente grato por poder estar isolado em dias em que o caos toma conta e as plateias lotadas já são uma memória distante. Apesar das circunstâncias, ele vê beleza nesse processo de introspecção em que nos metemos pela pandemia, dizendo estar em busca de uma vida mais descomplicada.

Colores“, seu mais recente álbum de estúdio, foi lançado em março deste ano.”Neste disco eu quis sair da caixa e criar algo maior, mas que fosse também além do vídeo e da música”, diz Balvin. “Sei que há muito o que falar porque as cores representam alguns dos primeiros contatos que temos com a natureza, fazem parte de uma linguagem universal, assim como é a música. Mas desenvolver cada cor em cada canção junto ao meu produtor foi um processo muito… curioso”.

A ideia, conforme ele adianta, é sinestésica. Consiste em basicamente conectar música, cores, emoções e ritmo em uma linguagem sensorial. Embora não haja citação direta da paleta no conteúdo, os títulos de cada uma das faixas formam um arco-íris, trazendo nomes como “Amarillo“, “Blanco“, “Rojo” e “Gris“.

Essa estética também se reflete na maneira de se vestir do artista. Em cada clipe, para além dos tons milimetricamente empregados, é possível notar as arriscadas investidas de Balvin na moda. Nos últimos anos o cantor esteve envolvido em pelo menos 3 grandes projetos, o último deles com a marca Guess. Ele diz não ter tido surpresa quanto ao interesse.

“Foi desafiador, claro, assim como é lançar este disco neste momento. Grande parte da divulgação que planejamos caiu, mas estamos aqui firmes, porque é hora de dar aos jovens um pouco de música”, diz. “Eu sempre gostei disso, da arte e das expressões que a moda, quando aliada a ela, entregam. Sempre quis fazer algo nesse sentido, já esperava o convite”

De fato o cantor solidifica uma das carreiras mais bem sucedidas da história da música latina. Em 2018 ele explodiu de vez, em um caminho sem volta, com “Vibras”, um disco de sonoridade mais aberta, moderno e com importantes participações. Beyoncé e Rosalía estão entre suas colaboradoras. Já em 2020, com “Colores”, além de reforçar seu faro para o que se ouve (e se quer ouvir), Balvin adiciona clima e sabor a sua narrativa. Mira no futuro, mas sem se indispor com o passado. Faz uma mistura interessante que envolve até samples de faixas como “Macarena” e “Guantanamera”, dois clássicos.

Com mais domínio de suas criações, ele diz que o maior trunfo deste meio tempo está na compreensão de sua própria sonoridade. “Meu disco anterior foi muito bem recebido e enquanto divulgava passei um bom tempo produzindo, experimentando. De cerca de 30, 40 canções que gravamos agora, selecionei 10. Você vai se apurando com o tempo, é o que dizem”.

Latino!

No dia 2 de fevereiro de 2020, quando o coronavírus ainda era uma ameaça distante, presente apenas nos noticiários de regiões como a Ásia e uma pequena parte da Europa, os olhos do mundo estavam concentrados em Miami. O Super Bowl LIV, que trazia JLo e Shakira como anfitriãs, teve como convidados especiais J Balvin e Bad Bunny. Um colombiano e um porto-riquenho para cada uma das artistas.

Político à sua maneira, o show representou uma conquista sem precedentes para os latinos. Além de trazer uma rica costura de elementos culturais da região, esta foi a primeira vez que cantores de origem hispânica foram convidados para tocar no evento. “Foi inesquecível, me senti muito feliz com o convite das duas. Você sabe, são duas gigantes”, conta. “Mas sabe o que mais bonito disso tudo, eu acho, é que as pessoas puderam se ver representadas ali, cenicamente, por meio da arte das duas”.

Alvo de uma discussão mais densa está o reggaeton, gênero musical que ganhou o mundo nos últimos anos. Tendo como um de seus principais embaixadores o próprio Balvin, esse tipo de música, nascido em Porto Rico, desempenha um papel muito importante nas sociedades latino-americanas de modo geral. Para muitos jovens vindos da da periferia de metrópoles como Medellín, Cali e Bogotá, esta é uma oportunidade de trabalho.

Em 2019 seu alcance foi tamanho que até mesmo Madonna se rendeu às batidas e letras chicletes do gênero. Convidou Maluma pra gravar 3 faixas. Sobre isso, Balvin diz: “Vejo essa abrangência do reggaeton para além do meu país como sendo algo muito legítimo, muito bonito. Sabe, ver como as pessoas abraçam e conhecem a nossa música a partir disso. Por muito tempo se esperou um movimento assim e quando aconteceu foi muito legítimo”.

Com poucas alternativas diante do distanciamento social, o artista sugere que uma das saídas para que os dias se tornem menos monótonos – e quem sabe até menos carregados, dado o teor do noticiário – seja arrastar os móveis da sala e se permitir dançar. “Se eu pudesse dizer algo agora para as pessoas? Diria para ficarem em casa. Especialmente aquelas que possuem uma casa. Vai passar, o mundo precisa de um pouco de cor agora”.

 

Ouça “Colores”.

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