Nesta sexta-feira (08), Gloria Groove lançou o single e videoclipe da faixa “Incondicional”, parceria com sua mãe, a cantora Gina Garcia. A canção é o primeiro lançamento da drag desde o EP “Alegoria”, que foi um grande sucesso em 2019. “É o tipo de mensagem que o mundo precisa agora”, revela a artista em entrevista por telefone ao Papelpop, criando um paralelo entre o tema da canção – que é a relação de amor incondicional entre mães e filhos – com o atual contexto de pandemia do Covid-19.
O clipe começa com um texto lindo narrado por Gina, que é uma citação sobre o amor de um trecho de Coríntios, da Bíblia. O vídeo foi filmado em casa e tudo dá um grande quentinho no coração, especialmente as lindas imagens das duas revivendo fotos da infância de Glória (à época, ainda o pequeno Daniel Garcia). Vem ver com a gente <3
“Foi uma faixa escrita num song camp [encontros que geralmente duram alguns dias entre compositores, produtores e intérpretes para criar novas músicas] que fiz em 2019, com produtores de fora. Estava lá e tinha uma missão com a minha mãe, de fazer uma música pra eternizar nossa relação”, contou Gloria pra gente, sobre a origem da música. “Aí pensei nisso no dia, chamei ela pro estúdio e mostrei. Então ficamos esperando o momento certo pra acontecer. E agora se mostrou o momento mais propício, né? Pela data e pela mensagem que o mundo está precisando agora. Trabalhei nesse song camp com um pessoal que é da Austrália. Os dois caras que me ajudaram a construir a musicalidade de “Incondicional” foram o Alexander Biggs e o Mich Kenny”. Vem com a gente no papo completo:
PAPELPOP – A faixa é super emocional, com uma pegada retrô e uma modulação de tom super intensa no meio da canção. Tudo isso dá uma sensação bem nostálgica. Durante a criação, foi intencional trazer esses elementos?
GLORIA GROOVE – Foi INTENCIONAL…. [diz enquanto canta na melodia de “Incondicional”] Ai, sorry! Foi muito intencional sim! Hahaha super, porque a gente queria mirar numa coisa “meu, eu quero a trilha sonora da Disney”, sabe? Uma coisa que seja vocal, R&B e até meio gospel. Que tenha uma dinâmica babadeira. Por isso que na primeira parte, que minha mãe sola, é mais tranquilinha. Da pra entender mais o que está acontecendo, uma preparação. E quando eu entro, a música cresce um pouco mais e depois a gente modula ainda… Tem tudo que aquela música powerhouse dos anos 90 tem, né? E isso faz parte da nossa linguagem. Eu e minha mãe temos em comum o gosto por esse estilo.
E como é lançar algo nesse estilo mais calmo e emocional, depois de ter chegado no nível que você chegou? Dado que suas músicas costumam ser mais pop e animadas, isso te pareceu um risco?
Menino, é tão difícil eu ver algo como arriscado. Eu já corro riscos sendo quem eu sou e fazendo o que faço. De resto, quero mostrar minha versatilidade e mostrar tudo que eu puder.
Que massa! E “Incondicional” traz aquele sentimento de música de homenagem da escola ao dia das mães, talvez? Conta pra gente como eram as suas apresentações da escola pras mães?
Um fato muito curioso é que eu já tive um outro hino de dia das mães muito presente na minha vida, que é a música “Minha Mãe”. A gente gravou essa música pro álbum do Balão Mágico, em 2002. Produzida pelo Sérgio “Feio” Carrer, que era da Sony na época. Essa música era solada por mim no álbum. Eu tinha sete anos. E virou um baita hino de dia das mães no prezinho, sabe? Eu cansei de ver inúmeros vídeos no YouTube com o pessoal cantando essa música nessa data. Eu já era familiarizada. Costumo dizer que minha carreira é muito cercada dessa energia maternal. E acho que não é à toa. É o tamanho do protagonismo que minha mãe tem na minha vida em geral, sabe? Então minha música de dia das mães da escola era uma música que eu mesmo já tinha gravado.
E como está a relação de vocês durante a quarentena? Vocês têm se visto?
Sim, a gente mora junto e estamos juntas esse tempo todo. E é incrível como as coisas vão se encaixando, sabe? Pra mim, está sendo um período de transformação e planejamento.
Que ótimo saber disso. E você tem criado coisas novas em casa? Você já está acostumada a trabalhar de casa?
Sempre! O tempo todo. Meu cérebro não cala a boca em nenhum momento. Preciso sempre estar expressando, mas tudo está acontecendo no ritmo que tem que ser. Estou feliz. O que torna esse momento a hora certa de “Incondicional” vir é o fato de que é o tipo de mensagem que o mundo precisa agora, sabe? É o momento de parar e pensar “porra, tem clima agora pra gente falar sobre o quê?”, o que eu posso dividir sem cortar o clima, ou querer estar em outra vibe? Acho que é sobre ter essa possibilidade de olhar pro que está acontecendo e conseguir entregar algo à altura, que complemente.
E você sente que seu jeito de trabalhar e criar é influenciado pelo sair de casa?
Muito! Isso do workflow, do ritmo do trabalho, pra mim é muito importante. Quando você tira isso dessa pessoa capricorniana que sou, você fica “quem sou eu?”. Se eu não sou meu trabalho, eu sou o quê? Hahaha você se perde um pouco. Estou tentando me acostumar, porque as coisas têm que acontecer num ritmo tão bom quanto, mas em outras circunstâncias. Parar de atrelar o que acontece com os lugares que a gente vai. O futuro está chegando e ele é sobre as coisas acontecerem direto da sua casa, né? Olha essa fase de lives que a gente está vivendo e as coisas estão acontecendo.
Ainda sobre a quarentena, como você tem mantido sua voz? Tem algum cuidado especial com ela no seu cotidiano?
Hahaha menino! Bem que às vezes faço exercício de teatro musical, soprando na garrafa, fazendo brrrrrr, mas as pessoas pensam que eu sou a mais maluca dos exercícios vocais, mas eu nem sou. Na realidade, o que eu tenho é o negócio de cantar o dia inteiro. É o que eu falei, como minha cabeça não para em nenhum momento, eu fico cantando o tempo todo. É quase como se meu aquecimento fosse o dia inteiro. Não fico muito noiada nessa manutenção, não. Fico só executando, porque parece que se eu não cantar, não vai fluir.
E falando em cantar, o que você tem cantado e ouvido por esses últimos tempos?
Ó, eu acho que naturalmente, de três anos pra cá, como o R&B teve uma crescente muito grande dentro do País e fora, estou consumindo demais. É aquele momento orgulho de olhar pra cena nacional e falar “uau”. Eu não escutava 10% dos artistas brasileiros que eu escuto hoje, sabe? Eu abro minha playlist hoje e vejo vários artistas brasileiros já dá um orgulho enorme, porque você fala “caramba, eu era muito alienado quando adolescente”. Eu não ouvia nada que era daqui, porque eu não tinha essa referência. E agora, são artistas geniais fazendo trabalho tão bom quanto e, às vezes, muito melhor [do que os gringos]. E várias pessoas que eu conheço, que dão aquele orgulho maior ainda. Alguns são amigos. É um momento muito de ciclo completo. É muito lindo ver as coisas se encaixando e a cena se fortalecendo, porque é um gênero que eu gosto muito. E também eu ouço muito trap, né? Por causa da minha primeira fase [o disco “Proceder”, de 2016]. Gosto muito de ouvir trap e rap. É um gênero que estou me conectando muito também. Tentando aperfeiçoar minha abordagem, pra entender como eu posso fazer também.
Então a gente pode esperar uma pegada mais trap nas próximas faixas?
Com certeza! Acho que “Magenta Ca$h”, dentro do “Alegoria”, foi uma pisadinha. Uma explorada, pra saber como é. Mas acho que ainda posso fazer algo muito maior que isso, dentro do universo trap.
Antes da próxima pergunta real, uma rapidinha meio estranha: você já fez terapia? Porque tudo que você diz é tão seguro e certo… muito bom falar com alguém assim!
Hahaha não! Nunca fiz, mas gostaria muito de fazer. Fui numa consulta uma vez e eu amei, mas nunca mais voltei, por falta de circunstância mesmo. Mas é um universo no qual eu gostaria de me aventurar muito mais. Acho que eu tenho uma predisposição muito grande a pensar no coletivo e pra, sei lá, raciocinar mesmo, sabe? O pessoal adora falar que eu gosto de ter papo cabeça. Eu gosto de trocar, porque acho que ter uma plataforma também é refletir tempos. É aquilo que a Nina Simone falava, né? Ser artista é refletir os nossos tempos. E como refletir os tempos ser ter uma perspectiva sobre tudo?
Sensacional! Agora, sobre a relação com sua mãe: sair pro mundo pra ir atrás dos seus sonhos geralmente significa passar menos tempo com a família. Você sentiu culpa sobre isso em algum momento?
Então… no meu caso, isso é uma via de mão dupla, porque na infância foi um momento de se entender e superar isso. Minha mãe também tinha esse ofício, então eu tive de entender muito cedo que o ofício dela também envolvia estar longe de casa, viajando. Minha mãe trabalhava na maior banda do País [o Raça Negra] no auge dessa banda, né? Então ela nunca estava em casa. Então como sempre tive que entender, ela também passou a entender quando começou a acontecer pra mim, sabe? Eu passei a ter que sair de casa e ir pra estrada pra correr atrás do meu. Pra ela, era um processo natural, porque é um universo que ela já conhece. E pra mim, nem preciso dizer como ela vai me guiando por tudo e sendo uma referência.
Que papo gostoso, né? Vamos então sentir todo esse espírito materno ouvindo “Incondicional”:
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