Você certamente já assistiu ao documentário “Na Cama com Madonna“. E claro, deve ter visto idolatrado à exaustão uma imagem bem específica da rainha, toda musculosa, executando uma coreografia insana. Na ocasião, ela também exibe um corset rosé, com sutiã de cone. A cena vem da abertura do show “Blond Ambition“.
Essa turnê marca a história do pop e dos shows como nós conhecemos hoje em dia porque foi Madonna que fez antes: estruturas gigantescas, cenografia elaborada, trocas de figurino e aparatos visuais. Ninguém, antes dela, havia realizado algo parecido.
A gente fica ainda mais embasbacado quando pensa que tudo, até as entrelinhas, foi concebido inteiramente pela própria Madonna. Em meados de 1989, Madonna tinha acabado de lançar o disco “Like a Prayer” e vivia o auge de sua popularidade (ainda!). Ela queria algo grandioso e levou um bloco cheio de anotações para o diretor de iluminação Peter Morse, perguntando se era possível.
Eram luzes mudando de maneira inacreditável de um cenário pro outro, uma metrópole dando lugar a pilastras da Grécia Antiga. Nada se repetia. De repente… dávamos de cara com uma basílica! Esse show de quase 2h, que muita gente daria qualquer coisa para ter assistido, era ainda mais fabuloso porque desafiava o conservadorismo por meio de uma narrativa genial.
Sexo, religião, família, emancipação! Amor também. É mesmo de se assustar, mas não pelo conteúdo (thanks, God!) e sim pelo fato de que nesta segunda-feira, 13 de abril, a “Blond” fica mais madura. É que exatamente hoje acontecia sua estreia na cidade japonesa de Chiba, há 30 ANOS! Há quem diga que relembrar é viver, então…
O clima geral era de curiosidade porque rolava ali uma estreia dupla: além do Estadio ZOZO Marine, que estreava naquela data, todo mundo queria saber o que Madonna iria aprontar nesse novo show, vendido aos quatro cantos do mundo como “o mais polêmico e grandioso já feito por ela até então”. A internet engatinhava e era muito distinta do que conhecemos hoje, então só indo pra saber.
Mas na noite de estreia… um tufão resolveu zoar as condições climáticas e não rolou fazer tudo exatamente como o planejado. Lá fora havia trinta mil pessoas com guarda-chuvas, esperando. Cancelar estava fora de cogitação e a cantora, acompanhada de suas fieis escudeiras Niki Harris e Donna DeLory subiu ao palco de jaqueta e calça legging. Bem diferente dos lookinhos que elas seguiriam usando ao longo dos próximos 3 meses.
A regra da estreia foi: “preservar a integridade do time” e, claro, “não estragar nada”. Eram 9 trocas de roupa no total, dividas em 5 blocos diferentes. Já falamos ali em cima do corset rosé, mas logo no segundo ato do show Madonna surgia com um outro, dourado. Poderosíssimo, só de olhar já deixava qualquer um sem palavras.
Era a vez de “Like a Virgin”. Nasceu aqui uma parceria (muitíssimo bem sucedida, diga-se de passagem) com o estilista francês Jean Paul-Gaultier, responsável por assinar figurinos para quase todas as turnês da artista que vieram na sequência: à exceção de “The Girlie Show” (1993), foram concebidas peças para “Drowned World” (2001), “Re-Invention” (2004), “Confessions” (2006), “Sticky & Sweet” (2008/2009), “MDNA” (2012) e “Madame X” (2019/2020).
Foi com essas peças que ele se consagrou um dos maiores da alta-costura. Ir a uma exposição de criações suas e não ver os poderosos corsets da Madonna? Para uma parcela significativa dos fãs, é melhor ficar em casa.
Também havia um momento inspirado na Art Déco. Esse estilo de artes visuais nascido na Europa na década de 1910 foi aliás o responsável por batizar um dos blocos do show que trazia desde um salão de beleza que atendia suas clientes com roupões luxuosos e bordados, até a presença de sereias espalhafatosas. Madonna criava mais um cenário incrível, transbordando conceito. Antes de rolar “Into The Groove”, um dos pontos altos do show, ela Nikki e Donna flertavam de brincadeira com os rapazes do ballet. Entre uma brincadeira e outra, lembrava da importância do sexo seguro.
É claro que “Like a Virgin” tinha um grande destaque nesse show. Talvez fosse mesmo o maior. Cercada por dois dançarinos, Madonna surgia em cima de uma cama. Enquanto cantava embalada por elementos da música árabe e era tocada por ambos, ela se insinuava. Terminava a apresentação com luzes flamejantes em cima de si, simulando masturbação. Os fãs, sem grandes novidades, iam à loucura, mas houve quem se incomodasse.
Em Toronto, no Canadá, a polícia foi parar no estádio assim que rolou a primeira de três datas. Fizeram uma vistoria e mandaram um ultimato ao empresário da cantora, Freddy DeMann: Caso o show não fosse cancelado pela própria Madonna, voluntariamente, ela seria presa após a apresentação seguinte por “exibição lasciva e indecente”.
Em “Na Cama com Madonna”, documentário dirigido por Alek Keshishian, é possível ver em detalhes como tudo se desenrolou nos bastidores. Christopher Ciccone, irmão da artista, dá a ela a notícia de que há chances de ir em cana caso não cancele o show de logo mais. Madonna não dá a mínima e segue seu protocolo fazendo piada da situação. I’m not changing my fucking show (Não vou mudar a porra do meu show), diz ela.
Intimidada? Quem já viu sabe: ao lado de Niki e Donna, M caminha rumo ao palco cantando “Holiday” acapella. Ela brinca que da última vez que esteve numa prisão foi pra visitar ex-marido, Sean Penn, e logo na sequência, assim que passa perto dos policiais, cospe no chão.
Assim que encerrava seu número, Madonna recebia sua redenção. Chamando a Deus, ela recebia um crucifixo e vestes que lembravam o traje de uma missionária. Contorcendo-se no palco, pareceria ser exorcizada. Arrastava-se batendo cabelo até que seus dançarinos se vissem posicionados de maneira ortodoxa. Todos em uma sincronia absurda. O palco se transformava em uma capela com direito a e velas.
“Like a Prayer”, “Live To Tell” e “Oh Father” eram tocadas em um momento religioso. Na Itália houve sérios problemas. O Vaticano a acusou de blasfêmia pelo uso de imagens cristãs e sugeriu um boicote. Jornais locais classificaram a apresentação como “pecaminosa, blasfema” e “uma completa desgraça”. Já no aeroporto de Roma, Madonna realizou uma coletiva de imprensa em que leu uma carta, rodeada de jornalistas.
“Sou ítalo-estadunidense e tenho orgulho disso. A turnê não prejudica os sentimentos de ninguém. É para mentes abertas e leva a ver a sexualidade de uma maneira diferente. Há o teatro, as perguntas, provoca pensamentos e leva você a uma jornada emocional, retratando o bem e o mal, luz e escuridão, alegria e tristeza, redenção e salvação”.
Foi um escândalo mundial e a excomunhão… foi inevitável.
Tudo seguiu até que a baixa procura por ingressos fizesse com que uma das datas no Stadio Flaminio fosse cancelada. Sorte de quem viu a primeira, porque a capacidade estava pela metade, o que permitiu dançar e apreciar com detalhes a aura mágica da rainha, bem de pertinho. O jornalista Nelson Motta estava lá e comentou anos depois a experiência.
Quando o dream team da “Blond Ambition Tour” caiu na estrada, “Vogue” era um hit recém-lançado, coisa de um mês. As boates do mundo todo tocavam aquilo de forma frenética e quem ainda não sabia o que era o voguing, estilo de dança que inspirou a criação deste que é um dos maiores hits da história do pop, já queria copiá-la. Há alguns anos caiu na web um vídeo dos ensaios gerais do show que mostra Madonna e seu ballet fazendo toda a coreografia. Embora não pareça, eram apenas ensaios!
A pose também se estendia ao quarto bloco do show, mas em um outro sentido. Naquele mesmo ano Madonna havia estrelado o filme “Dicky Tracy“, protagonizado por seu então namorado Warren Beatty. Na trama ela dá vida à cantora Breathless Mahoney e adivinha só? Tava super imersa na Hollywood dos anos 1930, naquela graça única que só as grandes divas possuem. Nada mais justo do que levar isso pro palco, aliado a boas notas de jazz (que era, afinal, o gênero musical que comandava seu último disco).
O bloco “Dicky Tracy”, com seu piano de cauda, não é tão elegante quanto o que se viu no Oscar 1991, mas vale pela estética teatral.
Em “Like a Prayer”, disco que serviu como base para o repertório da “Blond Ambition”, Madonna já havia incluído nas páginas do encarte um card explicativo sobre como se prevenir da pandemia de AIDS/HIV. A doença, que até então era desconhecida e atingia um número cada vez maior de pessoas, já havia levado vários de seus amigos. Um deles foi o artista gráfico e ativista Keith Haring, morto poucos meses antes do início da turnê.
Embora naquele show não existisse uma mensagem tão forte em relação ao que acontecia (algo que veríamos com mais força na turnê seguinte, “The Girlie Show”, de 1993), ela fez questão de falar sobre o assunto em todas as ocasiões que pode e reverter o lucro da última data americana, em Nova Jersey, para ONGs ligadas à causa. Por meio da amfAR, foram arrecadados US$ 300 mil.
Na ocasião, ela parou o show pra fazer um discurso e disse o seguinte:
“A AIDS é nossa inimiga, prestem atenção nisso. E sim, ela não se importa se somos hétero ou gays. Não devemos ser julgados pela nossa orientação sexual”.
O documentário “Na Cama com Madonna”, citado muitas vezes aqui, fez sua estreia em 1991 no festival de Cannes, na França. Com baixo orçamento, teria sido rodado inicialmente sob o olhar atento do cultuado David Fincher, mesmo diretor de “O Quarto do Pânico” e “O Curioso Caso de Benjamin Button”. Entretanto, ele pulou fora quando as negociações já estavam bem avançadas.
Assumindo o controle, Madonna foi até uma agência de novos talentos e descobriu Alek Keshinshian, um jovem recém-formado em Harvard que havia feito como seu TCC uma ópera pop baseada no clássico “O Morro dos Ventos Uivantes”. Fez a proposta, ele topou e disse que não foi fácil tolerar as imposições da artista. Na biografia “Madonna – 50 anos”, de Lucy O’Brien, há uma fala dele que diz o seguinte:
“[Disse a Madonna] Vou filmar você quando estiver sem maquiagem, vou filmar você quando estiver sendo uma filha da puta, vou filmar você de manhã em meio aos seus travesseiros amassados antes que suas pílulas para dormir percam o efeito”.
E assim foi. O universo da artista é apresentado em contrastes. Enquanto imagens de bastidores aparecem na tela com uma película granulada, elegante e em preto e branco, as cenas do show, captadas em Paris, explodem em cores estonteantes. “Na Cama com Madonna” é genial porque mostra desde um encontro frustrado com Antonio Banderas (que era seu crush á época, mas com um pequeno detalhe: era casado) até cenas que foram malhadas pela crítica, como quando a turnê chega em Detroit.
Em sua cidade natal, Madonna resolve visitar o túmulo da mãe, morta quando ela tinha 5 anos de idade. Lá, ela se deita sobre a sepultura e fica imóvel por um bom tempo – o que não foi bem visto pela imprensa, que a acusou de forjar uma sequência emocionante para comover o público.
Em inglês, o documentário se chama “Truth or Dare” (Verdade ou Consequência, em tradução literal) justamente pelo fato de que uma de suas passagens mais marcantes vem de uma brincadeira dessas nos bastidores. Entre outras coisas, M declara que o maior amor de sua vida sempre foi Sean Penn e desafia dois de seus bailarinos, Salim e Gabriel, a se beijarem na boca. Rolou processo por uso indevido de imagem.
Foi de lá também que surgiu a famosa cena de Madonna simulando sexo oral em uma garrafa, após ter se recusado a responder uma pergunta. Icônica, sem mais.
Um adendo: eis que 25 anos após o fim da turnê, os dançarinos remanescentes do espetáculo chegaram a estrelar um documentário chamado “Strike a Pose“. É pauta pra outra hora, mas vale muito a pena ver! Está disponível na Netflix.
Yokohama, no Japão, foi a terceira cidade do mundo a receber a “Blond Ambition”. Este é sem dúvida um dos shows mais queridos da leva, porque mostra Madonna e seu time fresquinhos. O visual clássico com o rabo de cavalo em peso. Todos em forma, nada menos que impecável!
Mas seu visual mudou bastante entre uma etapa e outra da turnê. Enquanto na primeira fase, que englobou Ásia e Estados Unidos, ela optou pelo lendário rabo de cavalo, na Europa as coisas foram um tanto diferentes. Com o cabelo bastante danificado pelos apliques, ela decidiu deixar as coisas mais naturais e usar cachos moldados com laquê. O show de Nice, na França, mostra bem isso. Este daqui, aliás, foi transmitido ao vivo pela HBO quebrando um recorde: foi a apresentação transmitida por satélite mais assistida daquele verão. 4,5 milhões de espectadores vidrados.
E pra você que já viu ambos, uma novidade: chegou ao YouTube na semana passada o pro-shot de uma das apresentações de New Jersey. Sempre incrível rever, né?
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