Foi lançado nesta sexta (27) o segundo álbum de estúdio da cantora Dua Lipa, o “Future Nostalgia”. A gente já sabia que o álbum seria lindo, dado os singles que ela vem apresentando pra gente desde novembro de 2019, como “Don’t Start Now” – que já se tornou um dos maiores sucessos da carreira da artista.
O álbum estava previsto para ter seu lançamento uma semana depois, no dia 03 de abril. Entretanto, um vazamento na internet fez com que a cantora e seu time adiantassem a disponibilização do material nas plataformas. Na última terça (24), Dua fez uma live no Instagram, na qual respondeu a perguntas de alguns fãs e abriu o coração sobre a situação. Chorando em alguns momentos, a cantora comentou que não estava nos planos que o trabalho saísse em meio a tantas coisas ruins (em especial sobre a pandemia do Covid-19), mas que espera que o disco “traga felicidade, faça sorrir e dançar”. “Espero dar orgulho pra vocês”, completou a artista.
E você certamente está nos deixando muito orgulhosos, Dua!
Começando pelas referências escolhidas para serem um ponto de partida pra sonoridade do trabalho: na divulgação, a cantora tem comentado que entre os nomes estão Outkast, Prince, Blondie, Jamiroquai e No Doubt. Dua, para o projeto, também esteve no estúdio há alguns meses com o consagrado artista Nile Rodgers.
O “Future Nostalgia” tem o árduo trabalho de manter o nível de seu antecessor, o disco com seu próprio nome, de 2017. E nos entrega uma deliciosa mistura entre a música disco e dance. Tudo isso, com visuais muito fortes, assinados pelo fotógrafo francês Hugo Comte, que recentemente também produziu as imagens do disco “Pang”, de Caroline Polachek. Dessa vez, a cantora que definiu uma legião de jovens influenciados pelo clipe de “New Rules” com seus looks icônicos, entrega visuais poéticos e potentes que brincam com os conceitos de tempo de forma plástica e obscura.
O trabalho começa com a faixa-título, que já entrega nas primeiras palavras que Dua sabe o que a gente quer: uma canção atemporal, produzida por Jeff Bhasker (que já trabalhou com Madonna, Lykke Li, Kanye West, Beyoncé, Lana Del Rey e Taylor Swift), que é inclusive citado na letra. Faz uma referência muito… pomposa ao arquiteto modernista John Lautner, que já nos ajuda a criar um imaginário para o som do disco. A gente se imagina dançando numa casa assim:
Aí chega a que todo mundo já ama, “Don’t Start Now”. O hit, a aclamação, a coesão. Tem aquele baixo super groovy que a gente ama, que traz na potência máxima a vibe disco presente no trabalho. A faixa, inclusive, se tornou acidentalmente o hino do distanciamento em tempos de Covid-19, com o refrão que diz “não compareça, não saia de casa”.
“Cool”, embrulhada numa estética sonora que é uma espécie de dubstep retrô ao refrão, traz na letra questionamentos da artista sobre assumir que vai ser melhor se tiver alguém ao lado dela. A faixa, escrita com a ajuda de Tove Lo, tem a produção assinada por Stuart Price, que é um dos responsáveis por “Hung Up”, importante canção de Madonna, e “Human”, do The Killers.
“Physical” é o single pop mais grandioso do cenário pop em algum tempo. A divulgação da faixa, que faz referência à icônica canção oitentista de Olivia Newton-John, tem sido divertidíssima, aliás. O ponto alto da faixa são os vocais quase sussurrados da frase pré-refrão, numa entrega que talvez só Lorde faria parecido, que questiona ao crush “quem precisa dormir, quando tenho você aqui?”.
“Levitating” tem uma energia muito cativante, num som bem característico das faixas disco, ao mesmo tempo que é guiada por sintetizadores meio fora da afinação, que dão toda uma energia idílica à produção. Na transmissão ao vivo que Dua fez no Instagram nesta semana de lançamento, a cantora comentou que esta foi a faixa que definiu o caminho sonoro do resto do trabalho. A pausa pra um momento acapella logo antes do último refrão é muito potente e abre o espaço sonoro perfeito para o final grandioso que a canção merece.
Inclusive, em “Levitating”, também temos um exemplo muito massa de um efeito bem marcante desse som mais retrô disco/funk, que é o talkbox, uma espécie de sintetizador de voz que é conectado a uma guitarra. Um dos usos mais famosos desse artifício é a canção “I Want To Be Your Man”, do cantor Roger Troutman:
“Pretty Please”, que conta com a hitmaker Julia Michaels na composição, é um dos pontos altos do disco, sendo guiada por um baixo de suingue bem marcado e camadas vocais muito bem elaboradas. “Hallucinate” nos traz aquele sentimento que temos ao ouvir o “Confessions On A Dancefloor”, da Madonna, pela primeira vez, com esses instrumentais super imersivos e quase cíclicos. “Love Again” também é um momento muito marcante do trabalho, apesar de ser a faixa que soa menos pretensiosa, tem uma letra mais fácil e um som bem suave.
O terceiro single do disco, “Break My Heart”, é um acerto do início ao fim. Seus pouco mais de três minutos e quarenta nos levam a uma viagem por toda a proposta do “Future Nostalgia”, com uma intro que nos lembra muito fortemente a linha de baixo de “Another One Bites The Dust”, do Queen (mas na verdade é um sample de “Need You Tonight”, sucesso da banda australiana INXS), e um refrão que gera uma conexão com MUITA gente, né? Todo mundo já sentiu que devia ter “ficado em casa”, ao invés de ir encontrar aquele crush que virou #DateRuim. O jeito com que o instrumental vai crescendo pra um pré-refrão super cinemática é sensacional.
A faixa ganhou um clipe grandioso, daqueles que a gente se pergunta (que droga foi usada, digo) como conseguiram fazer um roteiro pra tudo que acontece na tela, numa vibe super dos trabalhos do importante diretor de cinema Michel Gondry (de “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças”), especialmente em suas colaborações com Björk:
“Good In Bed”, sobre adorar o sexo com alguém que não necessariamente é certo pra você, chama a atenção por lembrar os primeiros sucessos de Lily Allen, tudo é bem vívido e divertido no som. O refrão, mesmo trazendo uma letra que fica na cabeça facilmente, é de uma ousadia pouco vista no cenário pop: a melodia vai num caminho inesperado, tanto pela escala que desce em tons cromáticos quanto pela pausa muito inesperada que acontece com a entrada de um som que lembra o estourar de uma bolha? Hahaha é uma faixa que não tem a intenção de se levar a sério e é exatamente isso que a deixa tão cativante.
“Boys Will Be Boys” abre com arpeggios de orquestra, bem característicos do trabalho de um dos compositores da faixa, o Justin Tranter. O refrão também segue um caminho parecido com uma canção bem conhecida do compositor, “Lose You To Love Me”, da Selena Gomez. Especialmente nos vocais bem amplos do refrão. A Dua comentou numa entrevista recente à Vogue Austrália que a faixa é sobre as dores de ser uma mulher e ter que “contornar o confronto com homens e abusos sexuais”. É uma faixa muito especial.
Dua Lipa nos entrega no disco “Future Nostalgia” uma viagem por sons muito cativantes, que transitam entre o passado (de referências muito ricas) e um futuro para o pop que é mais solto, mais divertido. Perfeito para ouvir no carro numa viagem de noite com as janelas abertas, o vento na cara.
A cantora, que ficou conhecida especialmente por sua voz muito identificável e de timbre forte, apresenta outras sutis facetas de suas habilidades. A voz é bem mais suave do que em seu trabalho anterior, por muitos momentos. O jeito com que algumas faixas (em especial “Physical” e “Break My Heart”) brincam com a dinâmica na entrega de algumas frases, assim como o silêncio e uma respiração mais marcada, colocam o trabalho num universo sensacional de texturas já habitado por Lorde e Billie Eilish.
O álbum tem tudo para ser um marco, não só na carreira da cantora, mas para a música pop desta década. Talvez, como o “Confessions On A Dancefloor” foi para a Madonna no início dos anos 2000, ou até mesmo como “New Rules” foi – e está sendo -, para a própria Dua e sua influência no cenário da música mainstream, moda e muitos outros aspectos da cultura pop.
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