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Falamos com Leo Middea sobre música, memórias e perrengues; conheça seu trabalho!
Leo Middea se sentiu tão solitário em Praga, capital da República Tcheca, que em certo dia foi tomado pela possibilidade de abandonar de uma vez por todas a música, sua paixão. Com dois discos no currículo, o jovem compartilhava de um sentimento generalizado do brasileiro àquela altura. No segundo semestre de 2018, ele se sentia absolutamente desmotivado, pouco confortável consigo mesmo.
Foi então que vasculhando um antigo celular ele descobriu cerca de 100 demos feitas um ano antes, quando morou em Lisboa. Todas eram felizes, solares e com um astral alto, características que pouco refletiam seu status atual.
Surgiu aqui a gênesis de uma aventura que o culminou em “Vicentina”, disco que resgata logo no título poderosas, e ao mesmo tempo simples, memórias afetivas. “O nome de batismo veio de uma senhora, amiga da família, que previu seu futuro como músico. “[Diante de tudo] a intuição dela estava mais do que certa, não tinha como não homenageá-la”, diz ele por e-mail ao Papelpop.
Pra colocar o projeto na rua, Leo precisou pedir dinheiro a transeuntes de Lisboa, uma experiência inesquecível, mas também perigosa ao ser permeada por crises existenciais. “Foi ótimo, mas tive medo. Pensava ‘Realmente, minha mãe estava certa quando disse que devia ter feito uma faculdade'”. Neste bate-papo, ele fala sobre influências, processo criativo e perrengues (que foram muitos, por sinal). Já conhece seu som? Vem ler!
Papelpop: Quando você começou a gestar esse disco havia cerca de 100 demos no seu celular. Como foi o trabalho de seleção até encontrar as 12 faixas finais?
Leo Middea: Foi bem difícil, tem músicas que fico até hoje me perguntando: “Será que não devia estar no disco ao invés da x ?”. Acho que a melhor coisa nesse processo foi minha sinceridade com o que eu estava sentindo e o que eu queria dizer naquele exato momento. O Paulo Novaes (produtor de “Vicentina”) me ajudou muito também nesse processo, se não fosse por ele talvez “Divina Certeza” e “Rua de Angola 7” estariam possivelmente fora do disco, não por eu não gostar delas, mas tinham 100 músicas (risos)! Foi muito difícil escolher, eu tinha e tenho apego a várias delas. Acho que a seleção foi de acordo com o que realmente estava sentindo no momento do inicio da produção. Sempre que vou selecionar músicas para algum disco eu fico muito indeciso, lembro do Peter Mesquita (produtor do disco “A Dança do Mundo”) dizendo pra eu colocar a música “Pedaço do Céu” no disco pois eu não queria, não gostava muito da música por algum motivo. Confiei nele, coloquei a música, passei a amá-la e hoje é um dos momentos mais bonitos dos shows. É preciso confiar.
Você conta a história de uma senhora italiana, amiga da família, que previu o seu futuro. O que a figura de Vicentina, que dá nome ao seu álbum, significa pra você?
Significa uma figura um pouco inexplicável, acho que ela era super sensível e não tinha medo de dizer: “Olha esse menino vai ser cantor”. É difícil pra uma família que não é do ramo da arte apostar que uma criança de quatro anos iria vir a ser artista. Infelizmente ser artista pra muita gente é sinônimo de algo negativo dentro de uma perspectiva de futuro saudável. Eu ainda acho que tudo que vem do coração é difícil de acreditar, a gente é influenciado por tanta coisa… Vicentina para mim era a realidade, ela disse o que via em mim sem medo, não sei o que e como viu, mas viu. Vim aprender a tocar um instrumento 10 anos depois do momento que ela me disse que eu iria ser cantor. Aos 24 anos, no meu terceiro disco a intuição dela estava mais que certa, e não tinha como não homenageá-la.
Ainda sobre histórias, você também pediu dinheiro nas ruas de Portugal pra angariar fundos e fazer com que esse projeto pudesse acontecer. O registro dessa aventura (posso chamar assim?) virou documentário e chegou a ser selecionado para um festival em Figueira da Foz. Como foi essa experiência?
Foi ótimo. Eu tive muito medo de ir pedir dinheiro na rua. Na minha cabeça só passava ‘Realmente minha mãe estava certa, eu devia ter feito faculdade, olha onde eu estou agora, pedindo dinheiro na rua’. Mas como eu disse acima, tudo que nosso coração sente a mente duvida. Eu acreditava que eu ia conseguir gravar o disco apenas pedindo 1 euro por pessoa pelas ruas de Lisboa. Foram 10 dias muito intensos, desesperadores, pensava em desistir todos os dias mas o que me motivava era acordar no dia seguinte e pensar ‘Bom, ontem eu tinha 0 euros, agora eu tenho 100’. O apoio da Rita Paiva (diretora do documentário) , do Bernardo Peixoto (câmera e som) e do Ramon Almeida (um amigo do Rio que estava em Lisboa e foi alguns dias comigo na rua) foi essencial para eu conseguir também, de certa forma eles me apoiavam o tempo inteiro. No final deu tudo certo, eu adoro aventuras (risos).
Apesar de ter nascido na Europa, esse disco tem nas figuras de Gil e Caetano duas fortes influências. Não são as únicas… o que você tem ouvido neste momento?
Gil e Caetano sempre ouvi muito são as influências mais fortes mesmo. Por mais que não haja talvez uma influência totalmente direta eu tenho ouvido muito o Devendra Banhart, Rodrigo Amarante, Janeiro e Mayra Andrade
Temos enfrentado um período difícil no Brasil, especialmente se falamos sobre as artes. O cenário é cada vez mais caótico, o apoio às produções tem sido escasso. Já no seu disco, entre um verso e outro, há muitas mensagens positivas… Há um contraponto.
Eu decidi “fugir” do Brasil no inicio de 2017 por que eu não conseguia tocar muito por aqui, pra minha música não tinha tantas coisas positivas. Lisboa deu um outro vento a minha interpretação do que seria ser uma carreira. Em 2015 fui pra Buenos Aires lançar meu primeiro disco, o primeiro show oficial da carreira foi fora do Brasil, 52 horas de ônibus. Então o Brasil nunca foi um lugar acolhedor pra que eu pudesse apresentar minhas canções, mas não me vejo numa posição confortável pra falar mal do Brasil. Não estava bom, fui embora. Por mais que eu tenha passado por situações financeiras complicadíssimas no inicio em Lisboa, não me arrependo. A coragem de ir sozinho até um outro continente sem conhecer ninguém e com o que tinha no bolso me trouxe muito aprendizado. Eu não sou muito de brigar, gosto apenas de ficar em paz comigo e com as pessoas ao meu redor, amo o Brasil, só não me vejo numa rotina dentro dele.
“Vicentina”, o novo disco de Leo Middea, está disponível nas plataformas digitais: