Em uma das muitas Discover Weekly’s do Spotify que eu ouvi religiosamente neste 2019, conheci artistas incríveis. Mas minha favorita foi a Nicotine, uma americana de 23 anos que ganhou meu like antes do fim da primeira música – e, logo em seguida, o meu coração inteiro, com um EP tão lindo e poderoso que eu ainda ouço quase todos os dias.
A primeira música que eu ouvi foi “An Open Letter”, faixa introdução ao seu EP homônimo que é, literalmente, uma carta aberta e extremamente sincera a alguém que a fez sofrer demais e que, ainda bem, ficou no passado.
“Não importa quantas vezes você me fez mal. Eu fiz tudo certo e nunca saí do seu lado. Com exceção daquela noite, com aquele cara que eu nunca te contei. […] Você fez eu me sentir sozinha, e então ele me colocou no seu trono. […] Eu pensei que você tinha fodido minha vida para sempre mas, na realidade, você só me levou àquele com quem eu deveria estar. Então, obrigado pela experiência. Eu espero que você me veja, e eu espero que você me odeie!”
A franqueza da Nic ao declamar versos tão carregados de sentimento me obrigou a ouvir o resto do álbum, todo permeado por “spoken-word poetry”, uma paixão dela desde que um professor a apresentou esse universo, ainda no escola. “Tired” e “I Know Why the Caged Bird Sings”, por exemplo, transmitem tanta calma e tranquilidade que poderiam estar em qualquer playlist para uma manhã de domingo ensolarada. Mas as letras falam sobre uma garota dividida entre o amor e o conforto do ninho materno e a própria vontade de construir uma vida para si; e que, cega pelo gosto da língua de um boy, se enfiou em um relacionamento tóxico e agora confessa estar cansada das mentiras dele.
Como alguém consegue, aos 17 anos, botar para fora sentimentos tão profundos de uma maneira tão brutalmente sincera, bela e elegante? Foi a minha primeira pergunta para a Nicotine – que na real se chama Brianna, mas ganhou esse apelido por sugestão de uns amigos que disseram que ela tem “essa coisa que deixa as pessoas viciadas”. Nic conversou comigo para o Papelpop dias antes do lançamento do seu primeiro clipe, “Running”, lançado nesta sexta (13). Filmado em Houston, sua cidade-natal, “Running” escancara os mixed feelings de deixar a casa dos pais e, ao mesmo tempo, encarar a vida adulta sozinha.
“Eu passei por situações muito dolorosas. Olhando para trás, eu lembro de ver tudo aquilo como um filme horrível que não tinha hora para terminar”, conta ela que, como muitos de nós, tinha medo de como a família reagiria à sua homossexualidade e, aos 18, brigou com a mãe e saiu de casa. Acabou encontrando conforto na música, escrevendo as faixas de “An Open Letter”. “Nessa época eu era muito triste, amedrontada, e sempre colocava as outras pessoas na minha frente. Porque é isso… eu cresci cuidando de todo mundo à minha volta, o que não é nada justo, mas eu sabia que existia algo maior no mundo para mim. Só não sabia como alcançar isso.”
Nic diz que, apesar de tudo, sente um amor imenso pela sua trajetória e que seu lado espiritual a ajudou a enfrentar as barras da vida e transformá-las em algo bonito, sempre dialogando com as suas raízes e ancestrais.
“Não importa a situação, eu sempre olho para ela e a vejo como uma benção, e não como um fardo. Meus ancestrais e meus anjos da guarda facilitam as coisas. É o poder da dor e das pessoas que viveram antes de mim me empurrando para quebrar essas correntes e realmente viver do jeito que eu quero viver”, explica, lembrando que, apesar de libertador, sair de casa foi muito difícil. Mas… arrependimentos? Nenhum!
“Desde que eu deixei a casa da minha mãe eu tive que recomeçar a minha vida várias e várias vezes. Estou fazendo isso agora mesmo. É um processo mas, dessa vez, é bem diferente”, conta a artista, que desfez o trio do qual fazia parte quando lançou “An Open Letter” pela primeira vez e, finalmente, falou sobre sua sexualidade para sua mãe – que, no fim, aceitou melhor do que ela esperava. “Não é mais tão assustador, não vai acabar com você… vai te fazer feliz e mais forte. Hoje eu me sinto animada, curiosa pelos processos que eu tenho pela frente.”
Um dos processos que animou o ano de Nic foi justamente a produção do clipe da sua música favorita do álbum, “Running”, lançado nesta sexta (13) e dirigido por Leo Aguirre. Sem nunca ter conhecido Nic pessoalmente, Leo teve uma ideia para o clipe e foi atrás dela para contar. “O mais curioso é que quando ele me disse o conceito que imaginou para o clipe, era exatamente a mesma coisa que eu tinha pensado!”, lembra, encantada com “a pureza das emoções que o Leo conseguia captar”.
Nic também revela já ter recebido muitas mensagens de pessoas se identificando com a faixa.“Eu lembro exatamente do que eu senti quando escrevi ‘Running’. Eu estava cansada, triste e só queria meter o pé. Eu fiz isso e, hoje, ouvir essa música me leva de volta àquela época e faz eu lembrar porque eu entrei nessa jornada”. Sobre o retorno? Diz que era algo impensável. “É engraçado porque eu estava tão fodida na época que eu escrevi que não imaginei que esse seria o resultado. Mas hoje eu vejo que a minha música está mostrando às pessoas que elas não estão sozinhas, que elas tem outras pessoas, como eu, e isso me faz muito feliz. E é uma música gostosa também, vai?”
Muito, Nic! Muitoo!
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