Priscilla Alcantara cresceu sob o olhar do público e, nos últimos anos, tem encontrado sua identidade artística através do pop e da espiritualidade. Mas tal mudança de imagem e trabalho, que aconteceu principalmente no disco “Gente” – lançado em 2018 e recentemente indicado ao Grammy Latino como Melhor Álbum de Música Cristã (Língua Portuguesa) -, veio junto a muitas crises em sua saúde mental. “Honestamente, são coisas que você não percebe na hora. Você só vê quando acontece um acúmulo e aquilo explode”, conta a cantora de 23 anos ao Papelpop.
No último dia 26 de setembro, Priscilla lançou seu novo trabalho exatamente sobre esses processos de autoconhecimento e saúde emocional, “O Final da História de Linda Bagunça”, um EP de 3 faixas inéditas. Antes do lançamento, fomos recebidos nos escritórios da Sony Music Brasil, para um papo que rendeu a entrevista a seguir, sobre referências do trabalho, crises, religião no pop e a relação da cantora com as redes sociais, e estes retratos:
PAPELPOP – Sua música é um pop diferente das texturas e sons mais comuns aqui no Brasil. Isso vem naturalmente ou é um trabalho pensado para ser dessa forma?
PRISCILLA – É natural. Cresci numa família de músicos, então sempre ouvi de tudo e fui educada muito bem musicalmente. Meus pais sempre ouviram R&B e sempre fui bem ligada à técnica e excelência. Não só ao que é vendável. Estudei música por muito tempo e quero produzir algo que primeiramente seja bom. Se vender e ficar popular é legal também, mas preciso ser honesta.
Você estudou composição?
A composição foi algo que surgiu totalmente informal. A Demi Lovato foi uma das primeiras artistas que vi que faziam um trabalho autoral e ela foi uma inspiração. Comecei a esboçar ideias e aí fui elaborando essa habilidade. Mas é a parte menos natural pra mim ainda.
Falando da Demi, é possível sentir sua voz num mesmo universo sonoro que a dela e a Jessie J, por exemplo. Quais outros artistas te influenciaram neste novo trabalho?
Peguei muita referência do Michael Jackson, que é um dos meus artistas favoritos. A gente também pegou muitas ideias mais old school pra produção do trabalho.
As canções deste EP trazem uma dualidade grande. O que é bem pertinente, porque o pop está nesse momento da dualidade entre o chorar e o dançar. Como você vê isso dentro de sua linguagem?
Acho que “Linda Bagunça” fala muito sobre uma crise da dualidade de você se movimentar o tempo todo. É uma crise, uma confusão. O ensinamento disso tudo é que pode ser que exista uma beleza no caos. E isso reflete como às vezes me encontro. A alegria é algo mais espiritual do que circunstancial.
Na faixa “188”, você cita alma e espírito. Como você vê a diferença entre os dois?
A vida humana é uma tricotomia de corpo, alma e espírito. A gente só consegue ser plenamente humano quando os três atuam juntos. Cada um desses tem comportamentos diferentes. Por muitas vezes, senti meu espírito de um jeito e minha alma de outro, me deixando num duelo sobre quem eu deixaria ter domínio do meu corpo.
É interessante ter como tema a espiritualidade dentro de um trabalho pop, porque é um cenário que mais comumente usa desses símbolos de uma forma mais transgressora. Como você vê essa relação entre religião e o papel de questionar dentro da música pop?
Aprimorei minha linguagem pra poder comunicar o que acredito com todo tipo de pessoa. Vejo que o cenário pop negou os temas religiosos, fazendo com parecesse que os artistas cristãos precisassem apenas falar sobre religião. E não, o evangelho é sobre uma aplicação diária. Como cristão e artista, é meu dever falar sobre tudo.
Você recentemente foi indicada ao Grammy Latino por seu disco anterior, “Gente”. Como você se se sente sobre isso?
Achei que ia demorar um pouco mais [pra ser indicada ao Grammy]. Fui pega de surpresa e fiquei muito feliz, porque agora que estou terminando o trabalho de “Gente”, ele foi indicado ao Grammy Latino. Foi uma realização pessoal, óbvio. Eu sonho muito grande, sou bem ambiciosa. Então sabia que isso ia acontecer numa hora. Mas fico muito feliz que tenha acontecido nesse projeto, porque ele foi muito ousado e autêntico. Fez tudo valer a pena.
Este trabalho atual, “O Final da História de Linda Bagunça”, é muito sobre saúde mental. Como esse assunto entrou na sua vida?
Foi bem no sentir na pele mesmo. Às vezes, a vida precisa ser um pouco bruta para você entender a importância de algumas coisas. Durante esses meus 23 anos, fui um pouco negligente nesse aspecto e, nos últimos tempos, passei por algumas crises. Aí fui pra terapia e comecei a entender minhas vulnerabilidades e encontrar o equilíbrio entre a razão e a minha fé. Eu sou minha arte, então é muito importante somente escrever sobre o que estou vivendo, então sabia que seria muito pertinente falar sobre isso. Porque já experimentei isso.
Você sente que ter crescido exposta é algo que talvez foi mais complicado em termos de saúde mental?
Honestamente, são coisas que você não percebe na hora. Você só vê quando acontece um acúmulo e aquilo explode. Na necessidade de viver a vida intensamente e na correria, você não para pra observar o que de fato está acontecendo. Muitas coisas aconteceram e percebi que eu precisava cuidar de forma correta das minhas emoções. Acho que minha geração é muito emocionada. A gente não respeita muito os processos e a nós mesmos.
Aliás, você sente que ser da Geração Z, tendo crescido já no mundo digital, cria uma relação entre a internet e sua inspiração? Esse mundo digital faz parte do seu trabalho?
Não, isso é uma coisa que tomo muito cuidado como artista. Essa é uma dica que dou a outros artistas: não coloque seu processo criativo na tecnologia. Use papel e caneta e depois leve ao computador. Busco inspiração na vida real. Como seres humanos e artistas, precisamos preservar a realidade. Até porque na internet não tem muita coisa real. É onde mais tem máscaras e verdades parciais. Crio a partir de processos internos e de ver coisas na vida das pessoas ao meu redor. O que a internet me traz é poder ler relatos de vida real, feedback e mensagens dos fãs… isso me permite visualizar a realidade deles. Tem que ser old school. Ainda sou a pessoa que ouve discos e CDs, não leio e-book… acho essas coisas essenciais pra minha criatividade ser estimulada da forma correta.
Ainda sobre sua relação com a internet: em algum momento, você teve medo de se posicionar?
Infelizmente, hoje a gente tem que tomar muito cuidado com tudo, porque as pessoas são muito intolerantes. Principalmente na internet, onde se pega um trecho fora de contexto e tudo vira uma bola de neve. Por isso eu penso muito na hora de falar, mas gosto de garantir que a mensagem vá chegar a todo mundo da forma certa. Então não costumo falar muito na internet, porque só dá errado. Não dá pra confiar na maneira com a qual as pessoas usam a internet. A melhor forma de falar é através da minha própria arte.
Vem ouvir o novo EP, “O Final da História de Linda Bagunça” com a gente:
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