Atitude é o que não falta no trabalho da Urias e é por isso mesmo que o EP de estreia dela, autointitulado, tem sido tão elogiado. O projeto, que conta com a presença de nomes como Gorky, Maffalda e Pablo Bispo em seu time de colaboradores, só reforça o quanto a artista é uma das mais promissoras revelações da música brasileira.
Por telefone nós conversamos com ela, que nos deu mais detalhes sobre a produção desse disco que nada mais é do que um hino (e um grito em defesa da arte LGBTQ+)! Leia:
Papelpop: Seu primeiro EP acaba de sair. Qual a sensação, o que isso significa pra você?
Urias: Ai, menino, é um sonho realizado, algo que pra mim era visto como algo impossível, não nego. Agora estamos aí, batalhando.
Não raro você tem sido considerada uma das maiores revelações recentes da música brasileira e LGBTQ+. Como que você enxerga esse título, sente que existe uma responsabilidade?
Eu não diria que enxergo responsabilidade como um sinônimo de ‘peso’. Tento não me cobrar, vejo esses comentários como um gás pra surpreender o meu público e continuar buscando sempre por coisas novas, tentar construir algo que não foi visto ainda. Gosto que as pessoas notem isso de mim.
E como foi a sua formação musical?
Meus pais sempre tiveram contato com música e eu venho uma geração criada por Lady Gaga (risos). Ela trouxe muita coisa. Foi a partir dela que vimos nascer esse estilo high fashion, rebuscado, fino e um tanto freak. Além de, claro, ter minhas referências pop, também ouço de tudo. Sou eclética.
E como foi produzir esse EP? O que mais te inspirou no processo?
‘Urias’ é fruto de um trabalho de cerca de um ano, começamos a trabalhar nas canções em novembro do ano passado. Minha faixa favorita é ‘Diaba’. Assim que tive em mãos pensei ‘É isso que quero que as pessoas entendam de primeira, antes de pensar em dançar e quebrar o cu (risos). O que mais me inspirou? Várias coisas, na verdade. Primeiro, ir percebendo que a minha voz estava sendo ouvida, percebendo que pessoas que eu admiro muito botavam muita fé em mim. Baco [Exu do Blues], Liniker, Linn [da Quebrada] dizendo ‘Nossa, tô muito ansiosa pra ver o que você vai fazer’, sabe? Ver toda essa galera me dizendo isso me deu muita força. As pessoas realmente me respeitam pelo meu trabalho e isso me deu muito conforto em estúdio pra me arriscar.
O visual é uma parte muito importante do seu trabalho. Como funcionou no caso do EP, como você pesquisa suas referências?
Isso meio que aconteceu de forma genuína. Sempre quis lançar música, ai, como eu queria lançar um EP e tal, me baseei em pautas que refletem a minha vivência. Queria fugir do que tava acontecendo no mercado e que representasse minha liberdade. E funcionou!
Os clipes também são poderosíssimos. “Diaba” veio como um grande debut e hoje, pra celebrar o lançamento, saiu “Rasga”. Queria que você comentasse um pouco sobre cada um dos projetos.
Eu sou muito nova, tenho muita insegurança, mas sempre me considerei uma artista visual. Sentei com os meus produtores e disse que buscava ideias para um clipe que passasse aquelas sensações que descrevi. Assim nasceu ‘Diaba’. Foi um processo conjunto, pensado por várias cabeças. João Monteiro ficou responsável pelo roteiro e reunimos uma galera no bairro de Santa Efigênia, em São Paulo, pra gravar. Achamos uma rua vazia e foi o melhor dia da minha vida. Olhava e via as coisas acontecendo. Como podia ser o meu videoclipe? (risos) Já ‘Rasga’ vem na contramão, é um clipe de festa, gravado numa miniprodução. Foi câmera na mão e vamos ver no que dá. Juntei minhas amigas e fomos pro rolê, foi bem divertido.
Você chegou a pensar em fazer um EP visual?
Olha, se dependesse de mim, lançaria só clipes. Tenho muitos deles gravados na cabeça… Mas depende de muita coisa. Vamos ver como o projeto vai repercutir, quem sabe?
Fico muito feliz quando vejo artistas LGBTQ+ usando a sua voz, ganhando espaço nos meios. Outro dia vi Thiago Pethit, que é seu amigo, comentando no Twitter sobre como tem melhorado pra esses artistas se inserirem. Por outro lado, ainda é muito difícil, existem barreiras, especialmente pra quem faz um trabalho não deixa de ser político como o seu. Como você enxerga esses episódios de clara repressão que tem acontecido, esses desafios?
Olha, o panorama dos últimos 6 anos é de melhorar. Há muitos gays na industria, três ou quatro travestis, algumas pessoas trans… a gente tem conquistado espaço. Nao vejo outro caminho pra gente se não usarmos as nossas vozes. Mas ainda assim é um babado, o país não ajuda a gente, só tem corte… agora, que temos efetivamente sido calados, parece que houve uma união, talvez pela sobrevivência da espécie? O fato é que trouxe força e a gente não pode se prender a isso pra se organizar. Ainda temos que nos articular entre a gente, saber qual mensagem queremos passar pra fora, além das nossas bolhas. Se eu continuo gritando que quero que respeitem minha vida, minha liberdade de gênero, preciso pensar agora além dos LGBTQ+. Eles já sabem disso, já me conhecem, me escutam. O grande desafio é este.
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