Há quem diga que uma conversa por telefone nem sempre consegue imprimir a essência de alguém. Há filtros, é inegável, mas assim que Luísa Nascim, vocalista da banda Luísa e os Alquimistas, nos atendeu, a sensação que ficou era a de que já conhecíamos há um bom tempo. Animada, ela bateu um papo com o Papelpop durante cerca de 20 minutos sobre seu novo trabalho de estúdio – o terceiro do grupo.
“Jaguatirica Print” nasceu na madrugada desta sexta-feira (27) com grande expectativa. Pautado em referências que vão desde a sexualização visual dos corpos, algo comum nos anos 1980, até a criatividade inesgotável das ruas do Nordeste, o álbum foi feito pra tacar fogo nas pistas e, por que não, fazer pensar.
Não há dúvidas de que será facilmente associado a adjetivos como “potente” e “energético” – afinal, mexe logo na primeira audição com os nossos desejos mais íntimos de dançar. Pronto pra dar início a esta nova era, o grupo, formado além de Luísa por Gabriel Souto, Pedras, Zé Caxangá, Pedro Regada, Carlos Tupy e Tal Pessoa, embarca em uma viagem pelos vários Brasis que existem por aí.
Entre timbres, arranjos e flows que se amalgamam a uma variedade de sons que contemplam o dub, dancehall, reggaeton, rap e outros mais, eles criam um laço entre a contemporaneidade e o retrô. Vem ler nosso papo:
Papelpop: “Jaguatirica Print” chegou! Como fica o coração?
Luísa: Olha, lançar um disco é sempre um parto (risos). Na verdade, o processo todo é como uma gestação, porque envolve um trabalho artístico de criação e, claro, há também uma parte burocrática. Estamos empenhados nestas canções há mais de um ano, desde que fomos aprovados no edital Natura Musical. As circunstâncias que permitiram “Jaguatirica Print” nascer não deixam de ser uma responsa, então dá aquele friozinho na barriga. É um lançamento importante pra gente… Espero que seja pro público também.
Na primeira faixa, “Descoladinha”, você diz na letra “Sempre me perguntaram de onde minha criatividade sai“. O que mais aflorou seu senso criativo desta vez?
Sem dúvida alguma a própria vivencia e a história da gente, que vem do Nordeste, mais precisamente de Natal. Sempre estivemos antenados e tocando nas ruas, logo a periferia nos inspira muito! Neste trabalho fica mais evidente, a gente não apenas se apropria do que é da nossa realidade. É legal observar como este tipo de som precário, que vem desses lugares, é ao mesmo tempo inovador, como é feito com poucos recursos, mas que são capazes de tocar em tudo que é canto. É muito inspirador, gosto de trazer ritmos como o bregafunk, o batidão romântico, o próprio arrocha. A gente se ligou muito nesse movimento, claro que isso se mistura a outras coisas, mas foi o que mais nos prendeu.
O momento atual interferiu no seu modo de compor?
Totalmente. Eu sabia que depois do “Vekanandra” [segundo álbum do grupo], que é mais introspectivo, experimental e tem algumas egotrips, queria fazer algo mais solar e positivo. Não tem como a gente deixar de se afirmar neste momento, sabe? Não só como mulher, mas também como nordestina, rimadora, alguém que veio para São Paulo fazer o corre. É difícil circular no Brasil trazendo essas vivências e representando tantas figuras. Claro que fizemos músicas mais diretas, que representam o atual momento político brasileiro, mas que acabaram não entrando no disco. “Jaguatirica” é político, mas uma maneira diferente, sem ser tão direto, dando sutilmente seu recado, mesclado à poesia. Acho que por isso também fico tão ansiosa, pra ver como vai arrematar várias percepções. A gente que tá de dentro constrói coisas não intencionais e que talvez só o publico seja capaz de perceber… É assim que a magia acontece.
Você citou vários ritmos e ao ouvir o disco, fiquei curioso sobre o seu trabalho de pesquisa sonora. Como funciona?
Eu sou a integrante da banda que mais ouve música, então estou sempre conectada ao rádio (risos). Também curto pesquisar referências underground, experimentais… e desta vez fiz um convite aos demais membros: quis que todos se antenassem. Nessa, nos ligamos a fenômenos como o movimento do passinho, ao que tem tocado em João Pessoa, Recife, Natal… foi ótimo porque todos aceitaram minha proposta e vivemos esse momento de maneira compartida.
E quem você tem ouvido agora?
Nossa, muito hip hop, muito rap. As minas que estão presentes como convidadas no nosso disco, por exemplo, são artistas que admiro e ouço bastante. Música pop eu sempre ouvi, e a produção brasileira tem sido maravilhosa. Agora, por exemplo, tenho adorado o som da Pabllo, da Ludmilla e de nomes emergentes como Sinta A Liga Crew e Jessica Caitano. Também adoro um retrô anos 2000, música preta… aquela fase clássica das Destiny’s Child, Aaliyah, Banda Loba, A Favorita… sou bem eclética e isso é bom, porque me permite conhecer mais, estar sempre atenta.
O visual também assume uma participação forte neste trabalho. Achei incríveis as referências que você usou para a capa.
Sim! Eu gosto disso de tentar construir algo icônico, é um desafio. Quando surgiu o nome do álbum, “Jaguatirica Print”, foi a primeira imagem que me veio à cabeça. Nossa ideia foi fazer uma releitura de várias capas de vinil dos anos 1980, que trazem essa coisa da bunda. Fui pesquisar nas coletâneas daquele período e a bunda era uma imagem completamente aleatória, mas também convidativa. Queria se objetificar o corpo feminino, e isso acontecia em trabalhos que não necessariamente eram obras de mulheres. Era uma coisa jogada fora de contexto. Quis pegar o mesmo recorte e o enquadramento, pesquisei bastante e trouxe isso pro nosso universo.
É uma pegada bem empoderadora, certo? Me lembrou o que Cyndi Lauper e Aretha Franklin fizeram no passado, revertendo canções machistas em hinos feministas…
Isso, é uma outra pegada, feita pra conferir poder mesmo. Foi bem massa ver como a gente conseguiu deslocar essa capa de um contexto que até então era único. Tem capas com a do “Índia”, da Gal Costa, em que aparece também a parte da frente e isso conversa também com elementos de uma cultura que é tida como brega. A galera comprou super a ideia e pra mim foi importante porque é algo que me representa. A gente fica muito preocupada sobre o que vão pensar e esse ensaio é um belo “foda-se”, porque ao se permitir, paramos de nos podar. Tudo foi harmônico nesse disco, digo que ele é literalmente um grito da jaguatirica. Brincar com a cultura pop, mas estamos igualmente comprometidas com nossas mensagens.
Vocês tem uma série de apresentações nos próximos meses. Vamos ter figurinos inspirados na jaguatirica nos shows?
Vamos! A gente tá fazendo um figurino todo baseado na estética do disco, a banda inteira vai usar. Também vamos ter projeções, elementos que até então não utilizávamos nos shows. Por isso a importância do edital, que nos deu a possibilidade de investir nessa parte. Não tínhamos grana e agora temos a chance de marcar forte a parte estética. Esse show novo tá novo mesmo, espero que as pessoas se permitam vivê-lo.
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