Todas as manhãs quando acorda, logo após colocar seu par de óculos, Rita Lee repassa mentalmente uma lista de prioridades. Entre as principais, sem dúvida, está o bem-estar dos cachorros, gatos, tartarugas e jabutis, com quem divide a casa. Ela não se esquece também dos macacos, saruês, maritacas, papagaios e tucanos que vivem nos arredores de uma mata próxima. Volta e meia eles aparecem para visitá-la.
Quem leu o primeiro livro de memórias da artista, “Rita Lee: Uma Autobiografia”, sabe que essa verdadeira devoção aos bichos vem de longa data. Nos anos 1970, por exemplo, a artista adotou dois filhotes de jaguatirica vítimas de maus-tratos; quando pequena, salvou de ser sacrificada a cadela Danny, uma de suas mais fieis amigas. Ela também roubou cobras do roqueiro Alice Cooper após tê-lo visto chacoalhando-as durante uma apresentação. Rock N Roll, afinal, também é respeitar os bichos.
De fato: estas não foram as únicas bendições da “Santa Rita de Sampa”, protetora dos animais abatidos. Mas servem para ilustrar bem o interesse da artista em investir em uma profunda e duradora relação com esses seres. Tamanho se tornou esse senso de proteção e empatia que Rita se comoveu com a jornada penosa da ursa Rowena. Foi amor à primeira vista, desde que leu o primeiro relato.
Vítima do tráfico internacional por cerca de duas décadas, Rowena foi retirada de seu habitat natural e trazida ao Brasil. Por aqui, perambulou por circos ficando conhecida nos jornais como “A ursa mais triste do mundo”. A fama infeliz durou até o momento em que foi organizado um super resgate, transferindo-a para um santuário no interior de São Paulo. Hoje ela é bem tratada e está em plena segurança.
Foi a partir deste drama que a mamãe do rock resolveu escrever um novo livro. A editora Globinho lança neste mês de junho “Amiga Ursa: Uma História Triste, Mas Com Final Feliz”, narrativa que embora seja voltada para o público infantil, tem muito a ensinar aos adultos. Na trama, que conta com ilustrações de Guilherme Francini, a autora se transforma na personagem Vovó Ritinha. Ao lado dela, para garantir a liberdade de Rowena, estão grandes aliadas na luta em defesa dos animais: a atriz Brigitte Bardot e a ativista Luísa Mell.
Em plena semana de lançamento e após ter se encontrado pessoalmente com a “musa inspiradora” deste novo projeto, Rita conversou com o Papelpop. A autora falou entre outras coisas sobre seu papel na causa animal, o que a inspira na hora de criar histórias e seus hobbies. Ela também disse o que espera das novas gerações, os tais millenials – a quem ofereceu dicas preciosas.
Papelpop: Você sempre viveu intensamente sua ligação com os bichos, tanto que salvou muitos, de várias espécies, ao longo dos anos. Agora, ao lançar um livro que conta a história de um salvamento, você sente que está ampliando essa missão?
RITA: Escrevi o livrinho sobre o resgate de Rowena para crianças que eu chamo ‘índigo cristal’, que são os pós-millennials, pois o futuro do planeta estará em suas mãos. E vamos precisar de uma nova geração com o olhar de respeito a todas as formas de vida. As ilustrações do livro, de Guilherme Francini, são maravilhosas. Nunca vi um livro infantil com ilustrações com tamanha qualidade.
O homem ainda precisa evoluir muito na consciência dos direitos dos animais?
Estamos no terceiro milênio e ainda vivemos na Idade Média no que se diz respeito aos animais, com circos e zoológicos onde os bichos são tratados como objeto de uso pessoal. Frequentemente mantidos em péssimas condições de higiene e em jaulas mínimas, tudo para “divertir” os humanos.
Em “Amiga Ursa”, você se posiciona contra circos e zoológicos. Quais outros eventos você colocaria na lista?
Rodeios, touradas, rinhas de galo e de cachorro, vaquejadas, farras do boi, aquários e outros tantos eventos que humilham e degradam os bichos, como o festival de Yulin, na China, quando comem carne de cachorro. Além, é claro, da crueldade que acontece em aviários, abatedouros…
“Amiga Ursa” tem a sua cara! Como foi escrevê-lo? Qual a importância da liberdade criativa para um projeto como esse?
Quando soube dos maus-tratos que Rowena sofreu durante vinte anos, quis dividir a história dela com as crianças. Assim como os animais, elas muitas vezes são abusadas e não têm voz. Educamos as crianças com exemplos e vejo com maus olhos quando as levam para eventos nos quais os bichos são humilhados publicamente.
Você se encontrou com Rowena recentemente. Foi muito emocionante?
Uma das maiores emoções que senti na vida foi ficar cara a cara com ela e ter o prazer de sentir sua língua quente e macia na palma da minha mão quando lhe ofereci biscoito com mel. Mas o melhor de tudo foi vê-la solta num lugar paradisíaco, que é o Rancho dos Gnomos, recebendo tratamento adequado e muito amor.
O Dr. Alex, protagonista dos seus primeiros livros infantis, nos anos 1980, é um ratinho ambientalista. Agora você mergulha nas páginas de “Amiga Ursa” pra salvar Rowena como a Vovó Ritinha. Após dois trabalhos autobiográficos, como foi voltar à literatura infantil?
Acontece naturalmente: quando meus meninos eram pequenos, eu inventava historinhas. Com minha neta, hoje adolescente, também. Inventar histórias é comigo mesmo, já fazia isso com letras de música.
Falando em literatura infantil, você já citou Peter Pan e Emília como personagens marcantes para você. Acha que, de algum modo, eles te influenciaram na vida artística?
Eu ainda sou louca por Peter Pan e por Emília. Emília é um clássico brasileiro, estou sempre lendo Monteiro Lobato. Ambos os personagens ajudaram em minhas aventuras no mundo da música: pelo atrevimento e pela vontade de voar.
Como é seu processo de escrita de livros?
O bom de escrever livros é que você entra num mundinho só seu e fica lá com seus pensamentos e aventuras. A única pessoa que mostro o que escrevo é meu editor e melhor amigo, Guilherme Samora.
Você dedica o livro aos seus netos. Todos aqueles que você cita na dedicatória são de ‘duas pernas’? Como é a Rita vovó?
Há entre eles Ritinha. A cachorrinha de Guilherme Samora, que considero um filho e, portanto, Ritinha é minha neta. Como avó, sinto que sou uma mistura de Vovó Donalda com Dercy Gonçalves.
Você sempre se preocupou com figurinos! A vovó Ritinha mesmo é muito cheia de estilo. Antes do “Amiga Ursa”, no ano passado, você lançou o “favoRita” (Globo Livros). O livro é lindo e cheio de fotos icônicas suas, em ensaios e em ação no palco, com looks que são muito atuais e que muita estrela pop de hoje usa ou usou algo parecido… de onde vem essa inspiração?
Nada é muito planejado e minhas aventuras pelo mundo literário acontecem ao vento. O “favoRita” surgiu como comemoração dos meus setenta anos e junto com Gui Samora fomos juntando fotos e textos, que no fim viraram um livro. Sempre gostei de me fantasiar nos palcos, interpretar personagens…
A gente sabe que você adora cinema. Mas e quanto a séries? Gosta? O que está assistindo?
Adoro séries. Passo pelo menos umas três horas por dia assistindo o que rola no salão. Uma que gostei muito foi “One Strange Rock”, que fala do planeta Terra como um ser vivo e consciente. Outra que assisto é “Pose”, sobre a comunidade LGBTQI+ no final dos anos 1980, quando o fantasma da AIDS era muito assustador, mas nada tirava o glamour das meninas.
Existem umas meninas novas da música que sempre te citam como referência. De mulher, de artista, de genialidade, de exemplo… Você fica sabendo disso?
Frequentemente, recebo torpedos de garotas que me têm como exemplo de mulher que batalhou num mundo considerado masculino. Fico lisonjeada. Outro dia, recebi um recado da dupla Anavitória que achei muito fofo. Até sugiro que elas cantem “Menino Bonito”, só com violão.
Essa nova geração, os post-millennials, faz parte dos nossos leitores. Pra que eles conheçam coisas boas da literatura e da música, indica pra gente três livros e três discos de mulheres inspiradoras?
De livros das meninas, tem o de Brigitte Bardot, “Lágrimas de Combate”, o de Luisa Mell, “Como os Animais Salvaram Minha Vida” e “Falso”, de Maria Flávia Calil. Também quero indicar “A Dança Do Universo”, de Marcelo Gleiser. De música, sou fã de Elza Soares, Donna Summer, Carmen Miranda e Paula Toller.
Rita, você é um ícone de liberdade, portanto, muito importante para todos aqueles que precisam lutar por isso. Você tem um público gay enorme. Inclusive muitos jovens e adolescentes. Que recado dá para eles?
Meu recado é: sejam vocês mesmos. E sejam felizes. Aqui do meu lado, estou torcendo para que o mundo respeite a todas as formas de vida. Vejo vocês como meus bichinhos coloridos e antenados.
Qual o conselho que você daria para as gerações mais novas?
Quem estiver começando com música meu conselho é compor, ter seu próprio material. No mais, em geral: escovar os dentes, passar fio dental e tomar cuidado com a postura. Sem querer catequizar, aconselho a não ingerir cadáveres de animais e adotar um bichinho para conhecer o que é amor incondicional.
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“Amiga Ursa” já está disponível em sites e lojas de todo o Brasil nos formatos físico e digital. No próximo dia 22 de julho rola na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo, o evento oficial de lançamento. A autora estará presente.
Fotos: Guilherme Samora
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