Quando o disco “Letrux em Noite de Climão” foi lançado, há quase dois anos, talvez fosse impensável para além das referências escancaradas de seu título que ostenta imaginar suas canções sendo apresentadas durante o dia. No último Popload Festival, em novembro do ano passado, a trupe liderada por Letícia Novaes não só fez com que essa ideia caísse por terra como também repetiu a dose na tarde cinzenta deste domingo (7), derradeiro dia de apresentações do Festival Lollapalooza.
Sem tempo para brincadeira, a banda formada ainda por Natália Carrera, Marthav de Vasconcellos, Arthur Braganti, Lourenço Vasconcellos e Thiago Rebello entregou ao público um dos shows mais políticos do evento. Pouco antes de fazer sua entrada clássica com “Vai Render”, faixa que também abre o disco de estreia do grupo, foram posicionadas camisetas nas mesas de mixagem de som com os dizeres “Lula Livre” – uma espécie de bandeira improvisada.
Entre o engate alucinado de hits super conhecidos como “Ninguém Perguntou Por Você”, “Hipnotized” e “Puro Disfarce”, seu dueto com a deusa-mór, Marina Lima, rolaram pausas para discursos poderosos. Entre os temas, a transfobia, a atual política brasileira e o desrespeito às leis trabalhistas, pautas correspondidas pela maioria da plateia com gritos de apoio.
Performática como sempre, um sinal de sua fortíssima ligação com o teatro, a cantora também versou sobre encantos e desencantos da vida, amores platônicos e situações tragicômicas, estas últimas narradas em “Além de Cavalos”. Sabe como é, melhor tomar cuidado ao fazer uma tatuagem com o boy/girl hahahaha
Antes de “Amoruim”, um de seus singles mais recentes (essa a gente sempre chora junto), Letícia trouxe à canção um pequeno trecho de “Unchained Melody”, música tema de um dos maiores clássicos do cinema, “Ghost: Do Outro Lado do Paraíso”. Neste momento, tivemos dimensão da viagem proposta pelo Letrux, que tem em seu itinerário o Centro do Rio, as boates decadentes e os beats acelerados da Rua Augusta nos anos 1980, ou mesmo, ainda mais profundo, a própria imaginação.
Mesmo diante da ausência de poesias intercaladas com as canções, uma das partes mais curiosas do show da banda em sua versão completa, e “5 Years Old”, canção dona dos nossos corações e que fecha o álbum com boas doses de nostalgia, não houve espaço para reclamações. Com o set reduzido, embora intensa ao extremo por máxima entrega, a banda arrebentou em um final destruidor com “Flerte Revival” (uma das nossas favoritas!) e “Noite Estranha, Geral Sentiu”, que ganhou uma versão adaptada para a tarde.
Como uma estrela do rock, Letrux desceu do palco e se jogou na plateia ao som do instrumental da faixa, que anunciava grandiosamente sua partida. Após essa troca pesada de energias, selada pelo levante de uma placa com o nome da ex-vereadora Marielle Franco, assassinada em março de 2018, restou além do palco vazio a certeza de que deusas nasceram pra lutar e podem ser feitas de carne e osso.
Fotos: Sillas Henrique.
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