Sem maquiagem, descabelada e usando um shortinho, Lady Gaga aparece dando carinho e comida pros cachorros, depois dançando na cozinha com a família e se escondendo atrás da geladeira, muito incomodada com a invasão da câmera enquanto tenta aceitar a ideia de ser filmada. Não é novidade alguma para uma das maiores popstars dos últimos 10 anos ter uma equipe de filmagem a perseguindo, mas é que agora a estão mostrando como ela é, bem à vontade, sem produção, sem figurino, vestindo roupa de ficar em casa e rodeada de pessoas que a amam. Dá até pra ver Gaga ficando tímida (que choque!!!).
Assim começa “Gaga: Five Foot Two”, documentário dirigido por Chris Moukarbel que tem estreia marcada na Netflix para o dia 22 de setembro. O filme mostra esse registro sincero de uma Lady Gaga sem máscaras, muito direta e despida de glamour. Como o trabalho mais recente da cantora, o disco “Joanne”, Gaga está tranquilinha e dibouinha.
Se você está esperando por algo grandioso, espetaculoso, bafônico, um documentário que normalmente seria entregue por uma diva pop poderosa, pode esquecer. Não tem muito lacre.
Tem Gaga chorando, Gaga ansiosa, Gaga insegura, Gaga abraçando Mark Ronson e chorando, chorando com a avó, chorando com as dores que sente, chorando ao conhecer uma fã… É intenso.
Durante a 1 hora e 40 minutos do filme, Gaga aparece extremamente vulnerável, emotiva, mas também aceitando a alegria de agora finalmente conseguir lidar bem com sua imagem. Hoje, ela não precisa mais de telefone ou de lagosta na cabeça, ou da maquiagem exagerada ou da roupa de carne, que a ajudava a esconder quem ela era.
“Eu nunca me senti confortável o suficiente pra cantar e ser desse jeito que sou agora, de colocar meu cabelo pra trás“, diz a cantora num dos intervalos das gravações do disco, usando roupa preta, óculos, sem maquiagem e com um rabo de cavalo.
“Nunca me senti bonita ou inteligente o suficiente ou uma grande artista. Essa é a parte boa do agora. Eu não me sentia bem assim, mas agora sinto. De todas as coisas que eu mereço, essa é a melhor coisa, saber que eu valho alguma coisa e posso ficar tranquila.“
Tranquila meeeeesmo! Numa das minhas cenas favoritas do documentário, Gaga está numa reunião com três assessores: duas mulheres e um homem. À beira de sua piscina, na sua própria casa e curtindo um sol, Gaga aparece com o cachorro no colo e apenas vestindo a parte de baixo do biquíni. Com os seios à mostra, ela conversa com a empresária britânica dizendo estar cansada de todo mundo a ver sempre glamurosa, que viram isso acontecer por 10 anos. Gaga tá se despindo (nos dois sentidos) nesse filme.
Mesmo sem os vestidos, as caras e bocas e as apresentações apoteóticas que fizeram Gaga famosa no mundo inteiro, a gente nota claramente no documentário o poder da diva pop, dona de sua carreira, nas decisões que ela toma, sem medo algum, enquanto grava o álbum “Joanne” junto com Mark Ronson (e tem até algumas cenas com Florence!). A mesma liderança é notada nas filmagens do clipe de “Perfect Illusion” e da série “American Horror Story: Roanoke”.
Gaga pode parecer insegura, dramática e vulnerável na maioria das cenas, mas temos alguns bons momentos de alegria. É bizarro, mas a cantora aparece feliz e se divertindo quando está no domingo do Super Bowl, onde iria se apresentar para a maior audiência de TV dos EUA.
O que poderia ser um momento apreensivo, tenso e de concentração para a maioria dos artistas, não é nada disso para Gaga. Ela está segura de seu talento, louca pra mostrar o que sabe fazer e toda animada, zoando com todo mundo nos bastidores, recebendo Donatella Versace e fazendo piada com o jogo de futebol americano, citando o acidente com o seio de Janet Jackson e muito mais.
Todo mundo aqui já ficou sabendo do que a Gaga falou da Madonna no filme, certo? Disse que era melhor a rainha do pop ter falado na cara dela que a achava um lixo em vez de dizer aquele “reductive” na televisão. Essa cena que já é famosa nem demora muito para acontecer. Rola nos primeiros nove minutos do documentário. Gaga diz que é italiana e que por isso prefere resolver as coisas assim, na lata, dizendo pra pessoa. E que por mais que ela respeite Madonna como performer, ela vacilou. “Podia ter me jogado na parede, me beijado e dito que sou um lixo“, diz Gaga.
Passado alguns minutos de documentário, Madonna é lembrada novamente por Gaga. Numa cena muuuuuuito tocante (fãs irão chorar), a cantora mostra para a mãe de Joanne, sua avó, a faixa que ela fez em homenagem à falecida tia, filha de sua avó paterna. Bem emocionante.
Mas aí, antes disso rolar, eles ficam revirando fotos da artista quando era adolescente que a avó tem guardadas na casa. Numa das imagens, Gaga aparece sorrindo com um diastema gigante nos dois dentes da frente e o pai conta que isso é a prova de que a filha usou aparelhos dentários. “Sim, se eu tivesse mantido esse buraco, ia ter ainda mais problemas com a Madonna“, responde Gaga.
As dores da Gaga. Sim, isso acontece em inúmeras cenas. Dói na gente também ver a dor que ela sente durante essas cenas. No Twitter, dias atrás, a cantora revelou que sofre de fibromialgia, síndrome que causa dores crônicas. E isso é visto em inúmeras vezes no documentário. O problema mais agravante acontece no dia do aniversário de Tony Bennett. Gaga iria se apresentar na festa, mas, minutos antes, aparece em seu apartamento em Nova York deitada no sofá com assistentes ao redor e um cachorrinho preocupadíssimo com ela. Ela está chorando de dor, sem saber o que fazer até receber umas massagens loucas e torções pesadas de uma massoterapeuta e ficar bem para sair.
Uma cena favorita minha é… quando Gaga desce de shortinho jeans, camiseta e sem maquiagem para encontrar os fãs na porta do hotel. Nesse momento, o documentário faz uma brincadeira e começa a mostrar todos os momentos anteriores em que isso aconteceu, numa época em que Gaga, anos atrás, usava roupas absurdas e loucas. É uma edição perfeita, mostrando vários vídeos da cantora encontrando fãs em portas de hotéis usando os looks mais incríveis junto com a cena de agora, exibindo uma Gaga “limpa” e normalzinha. Tem até o famoso “yas, Gagaaaa” nessa compilação.
O sangue no VMA… Gaga também fala sobre o que as pessoas esperam dela na música pop. “A metodologia por trás do que eu faço é que quando eles querem que eu seja sexy, quando querem que eu seja pop, eu coloco uma porra duma virada nisso para eu sentir que ainda tinha o controle da coisa. Se eu tenho que ser sexy no VMA cantando sobre os paparazzi, eu vou fazer isso enquanto eu fico sangrando no palco para lembrar a todos o que a fama fez com a Marilyn Monroe, a Norma Jeane original. Ou com a Anna Nicole Smith. Ou com…“, Gaga faz uma pausa, olha para o amigo ao lado, lamenta com a cabeça e diz: “Você sabe quem…“, dando a entender que seria ela.
Na primeira reunião do Super Bowl… todo mundo está na casa da Gaga, incluindo o diretor do show do intervalo, o Hamish Hamilton, que já dirigiu milhões de VMAs e premiações famosas do entretenimento. Gaga diz que, antes de mais nada, prefere surpreender e fazer o oposto do que todo mundo acha que ela vai fazer. Ela avisa que não quer aparecer chegando num trono (oi, Madonna, de novo!), nem com milhões de homens sem camisa (ainda Madonna?), nem com um vestido de carne ou unicórnios. “E no final da apresentação eu quero fazer algo chocante, que vai chocar todo mundo“.
A gravação de “A-YO” é ótima. Durante a criação de uma das melhores músicas do disco a gente vê Gaga se jogando com a batida da música no estúdio com o Mark Ronson.
“American Horror Story”: Nós vemos também cenas de Gaga gravando a sexta temporada de “AHS”, colocando aquela maquiagem e cabelo assustadores e dando um esporro na equipe por conta de um bafo que rolou lá.
Preparem-se para um ao vivo de “Bad Romance” que ela faz ao piano. Gaga transforma a música num jazz maravilhoso. A qualidade do som está perfeita e ela está linda de preto.
Dúvida sobre os fãs: “Você acha que meus fãs mais antigos vão ficar desapontados por eu não estar toda arrumada?“, pergunta Gaga no set de gravações de “Perfect Illusion” com o figurino do clipe.
A cena na Walmart é incrível! Gaga procura pelo “Joanne” nas prateleiras e não acha. Ela procura um vendedor, ele não a reconhece, diz que não sabe onde está o CD; ela manda chamar o gerente e ele também não a reconhece (é a Gaga versão limpinha, gente!). Não vou contar mais senão estraga, mas ela faz mais coisas engraçadíssimas lá dentro.
O documentário é um prato cheio para os fãs conhecerem ainda mais a cantora, ficarem mais próximos dela, entenderem o processo de criação, rirem com ela e chorarem com ela (acredite em mim, isso vai acontecer). Mas talvez o documentário possa desagradar aqueles que não são tão fãs e não se interessam tanto assim pelos detalhes e estejam mais em busca das músicas famosas, apresentações grandiosas e Gaga espalhafatosa. Não vão encontrar. Pra isso você tem que ir na turnê dela, queridinho. Ou ver a mãe-monstra no Rock in Rio.
Mesmo tendo trechos de apresentações ali e aqui, “Gaga: Five Foot Two” procura mesmo é vender é a intimidade, mostrando a cantora despida (em todos os sentidos).
Aliás, Gaga não explica em nenhum momento o motivo do filme se chamar “Five Foot Two” (além do fato de ser a altura dela, 1,57m, no sistema métrico americano), mas a intenção é clara se você conhece a música. Esse nome é de uma canção famosa dos anos 20, um jazz que aparece bem sutilmente no documentário quando ela vai no batizado da filha de um dos membros de sua banda de jazz. Na festa, perambulando entre as mesas de convidados, o amigo de Gaga toca essa música no palco. Quer saber como é a letra? Ela conta a história de um homem procurando a garota da vida dele e avisando todo mundo que se ela aparecer coberta de casacos de peles e jóias, certamente essas coisas não são dela, dando a entender que isso não faz ela ser o que ela realmente é.
Tá explicado?
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