televisão

“The Handmaid’s Tale” é uma série incrível que provavelmente você não está vendo

[ATUALIZAÇÃO: 07/01/18] Vale frisar que “The Handmaid’s Tale”, vencedora do Emmy 2017 e do Globo de ouro 2018, vai estrear a primeira temporada no Brasil ainda no início deste ano no canal Paramount, e a segunda temporada chegará aos Estados Unidos em abril! [/ATUALIZAÇÃO]

Num futuro distópico, os Estados Unidos não se chamam mais Estados Unidos. Agora, o país é a República de Gilead, governada por um regime totalitário e teocrático em meio a uma guerra civil, no qual a religião domina tudo. Nesse novo sistema, as mulheres são propriedade do Estado, não têm direitos e são divididas em castas – mulheres férteis, raras nessa realidade, pertencem ao grupo das aias e têm apenas uma função: procriar para famílias de homens poderosos e suas esposas estéreis. O processo no qual as aias são estupradas pelos comandantes é chamado de “cerimônia”.

Pesadelo, né?

Essa é a premissa de “The Handmaid’s Tale”, livro escrito por Margaret Atwood em 1985 (no Brasil publicado como “O Conto da Aia”) e transformado em série pelo serviço de streaming Hulu. Com quatro episódios já exibidos nos Estados Unidos (são dez no total; nós assistimos aos três primeiros e recomendamos fortemente), “The Handmaid’s Tale” está fazendo o maior sucesso e gerando debates interessantíssimos por causa da sua premissa extremamente assustadora.

(o Hulu não está disponível aqui no Brasil, então já sabe como vimos, né? RS. mas a série será exibida no segundo semestre pela FOX Premium! ATUALIZAÇÃO – 2 de junho: a assessoria da FOX nos informou que não há mais previsão de estreia da série nos seus canais Premium)

A história da série é contada pela perspectiva de Offred, interpretada por Elisabeth Moss, a Peggy de “Mad Men”. O nome da personagem já evidencia a opressão feminina – Offred é literalmente Of Fred, ou seja, “De Fred”; ela pertence a seu mestre, que no caso é vivido por Joseph Fiennes. A esposa da família, Serena Joy, é Yvonne Strahovski (“Chuck” e “Dexter”). Mas Offred tinha um próprio nome antes, tinha uma família, um marido e uma filha. Offred, antes, era June.

Alternando cenas do presente com do passado, “The Handmaid’s Tale” vai mostrando pouco a pouco como a sociedade norte-americana foi se transformando. As mudanças começam pequenas, aparentemente inofensivas, e depois acabam tomando proporções absurdas, resultando nessa nova realidade da América.

Outras personagens importantes são Ofglen, interpretada por Alexis Bledel, a eterna Rory de “Gilmore Girls”; Moira, amiga de Offred, papel de Samira Wiley (Poussey de “Orange is the New Black”); e Luke, antigo marido de Offred, vivido por O-T Fagbenle (“Looking: O Filme”).

Já renovada para a segunda temporada, “The Handmaid’s Tale” vem colecionando elogios, alguns deles fazendo paralelos com o governo de Donald Trump, atual presidente dos Estados Unidos.

Alan Sepinwall, do Uproxx, escreveu:

“A atuação de Elisabeth Moss é impressionante; ela teve que interpretar alguns dos mesmos temas quando foi Peggy em ‘Mad Men’, mas lá em um ambiente que parece um paraíso feminista se comparado com Gilead. Não é uma surpresa que Moss possa alcançar níveis de drama tão altos. Que [Alexis] Bledel seja a confidente de Moss é muito mais inesperado, mas quanto mais conhecemos Ofglen, mais dura é a atuação de Bledel, até um par de cenas no fim do terceiro episódio deixar você impactado. (…) Assistir às notícias de hoje não cria necessariamente a impressão de que uma Gilead real surgirá nos próximos seis meses, mas parece muito mais possível do que deveria, e isso faz com que ‘The Handmaid’s Tale’ pareça ainda mais como um coquetel Molotov sendo lançado numa sociedade extremamente complacente do que qualquer um poderia ter pretendido quando começaram a fazer esse drama cativante.”

James Poniewozik, do The New York Times, disse:

“‘The Handmaid’s Tale’ é um alerta, uma história de resistência e sua construção de universo é impecável. É rigorosa, vital e muito assustadora. (…) Eu odeio dizer que essa trama é relevante atualmente, como se não fosse assim há três décadas. Mas vamos encarar: quando se tem um presidente que fala sobre mulheres como se elas fossem brinquedos, que deu a entender que uma jornalista durona estava menstruada, cujo governo juntou uma sala cheia de políticos homens para discutir a saúde das mulheres – bem, o marketing viral acontece por conta própria. Você pode não acreditar que alguém na vida real esteja tentando fazer como que os Estados Unidos se transformem em Gilead. Mas ‘The Handmaid’s Tale’ não é sobre uma profecia. É sobre um processo, sobre a maneira com que as pessoas se forçam a acreditar que o anormal é normal, até que um dia elas olhem ao redor e percebam que esses são os antigos dias ruins.”

Anne Helen Petersen, do BuzzFeed News, falou:

“O olhar masculino é um sintoma de uma forma de arte cujas normas foram desenvolvidas pelos homens, numa indústria dominada pelos homens, para o público ditado em grande parte pelas preferências masculinas. Ele reflete Hollywood, mas também reflete a maneira como olhamos para as mulheres no mundo. O que é parte do porquê de ter sido tão difícil de reverter essa situação: o patriarcado se recusa a mudar. O que é desenvolvido, então – na maior parte, mas não somente, por meio do trabalho de cineastas mulheres -, é uma espécie de híbrido negociado, uma forma de ocupar a perspectiva de uma mulher enquanto ela navega no mundo patriarcal ao seu redor. Chame isso de olhar feminino. Ao contrário do olhar fixo e obsessivo, a visão é dispersa, ágil. Esse olhar vasculha, gira – ou, alternadamente, observa, com paciência, os momentos do mundo de uma mulher que muitas vezes passam despercebidos. Pense na cena pastoral em ‘Maria Antonieta’ ou na montagem de Leonard Cohen em ‘Take This Waltz’, o agitar das cortinas em ‘Brilho de uma Paixão’, o céu alucinado e o vídeo caseiro de “All Night”, o slow-motion e a raiva de “Hold Up”, ambos de Beyoncé, as inserções de flashback de abuso em ‘Big Little Lies’.”

A própria autora do livro escreveu um artigo para o The New York Times intitulado “Margaret Atwood sobre o que ‘The Handmaid’s Tale’ significa na era Trump”. Margaret, ao longo do texto, responde três questões que sempre perguntam para ela:

“Primeiro: o livro é ‘feminista’? Se você quer dizer um panfleto ideológico no qual todas as mulheres são anjos e/ou tão vitimizadas que são incapaz de escolhas morais, não. Se você quer dizer um livro no qual mulheres são seres humanos – com todas as variações de caráter e comportamento que isso implica – e também são interessantes e importantes, e o que acontece com elas é crucial para o tema, estrutura e trama do livro, então. Nesse sentido, muitos livros são ‘feministas’. (…) A segunda pergunta é: ‘The Handmaid’s Tale’ é contra a religião? Novamente, depende do que você acha. É verdade, um grupo de homens autoritários tomam o controle e tentam retomar uma versão extrema do patriarcado, na qual mulheres (como escravos americanos do século 19) são proibidas de ler. Mais para a frente, elas não podem mais ter dinheiro ou ter empregos fora de casa, ao contrário de algumas mulheres na Bíblia. No livro, a ‘religião’ dominante quer obter controle doutrinário, e denominações religiosas familiares a nós estão sendo aniquiladas. Então o livro não é anti-religião. É contra o uso da religião como justificativa para a tirania; o que é algo totalmente diferente. A terceira pergunta é: o livro é uma previsão? Não, porque prever o futuro não é possível: há muitas variáveis e possibilidades impossíveis de descobrir. Vamos dizer que seja uma antiprevisão: se esse futuro pode ser descrito com detalhes, talvez ele não vá acontecer. Por causa da recente eleição americana, medo e ansiedade se espalham. Liberdades civis básicas são vistas como ameaçadas, assim como muitos direitos conquistados pelas mulheres nas últimas décadas e nos últimos séculos. Nesse clima divisivo, no qual ódio por vários grupos parece aumentar e o desprezo por instituições democráticas está sendo expressado por extremistas de todos os tipos, é certeza de que alguém, em algum lugar está escrevendo o que está acontecendo enquanto essa mesma pessoa vivencia tudo isso. Ou as pessoas vão se lembrar e gravar depois, se puderem. Essas mensagens serão oprimidas e escondidas? Elas serão encontradas, séculos depois, numa casa antiga atrás de uma parede. Vamos torcer para que isso não aconteca. Eu acho que não vai.”

Ficou interessado? Dê um voto de confiança à série e assista sim, seja no segundo semestre ou dando seus pulos! A gente garante que vale a pena.

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